Os Collares de Bagé

 Os Collares

de Bagé

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HISTÓRIA DOS PRIMEIROS COLLARES

Jayme Collares Neto

Última atualização: 09-09-2021

1. Como se conservou a história dos Primeiros Collares

Chamamos de “Primeiros Collares” os nossos mais antigos antepassados de Bagé e de Paysandú, cuja história, por ser das mais interessantes, merece ser preservada para as futuras gerações.


É a história de uma família que se manteve unida por mais de um século, não por causa dos frequentes casamentos entre primos, que foram apenas uma consequência, mas porque faziam planos e agiam em conjunto, buscando sempre estar próximos, apoiando-se mutuamente, cultivando os mesmos valores e costumes e compartilhando o mesmo ideário político, que era o ideário do antigo Partido Conservador, do tempo do Império.


É a história do período em que essa união de que acabamos de falar se estendia às famílias Teixeira Brasil e Pereira, que constituíam, de fato, uma única grande família.


Essa interessante história já teria caído no mais completo esquecimento, se não fosse o trabalho dos que nos precederam. Sem eles, não saberíamos nem por onde começar as nossas pesquisas. Aliás, não saberíamos sequer que havia algo que valia a pena pesquisar.


Devemos, pois, expressar nossa gratidão e reconhecimento aos primeiros historiadores da família, que, com grande esforço, reuniram um precioso acervo de antigas fotografias, pesquisaram em arquivos, colheram depoimentos e registraram a mais antiga tradição oral.


O primeiro deles foi Antônio Augusto Collares de Oliveira (*Bagé 18-06-1912 †Bagé 01-01-1971), que conservou a preciosa coleção de fotografias de sua mãe Silvana Collares de Araújo (*Bagé 17-06-1884 †Bagé 06-09-1970), e que escreveu, em 1970, ano do falecimento de Silvana, e que seria também o seu último ano de vida, um inestimável artigo sobre a história da família. Seu filho Cândido Pires de Oliveira transcreveu o trabalho do pai no primeiro capítulo de seu excelente livro sobre as Palmas, intitulado Alma, Terra e Sangue, publicado em Bagé em 2003 (1ª edição), do qual me concedeu a honra de escrever o prefácio. Também conservou a coleção de fotografias herdada do seu pai, a qual gentilmente me cedeu em 1996 e, novamente, em 2007, para que eu extraísse cópias.


O segundo foi o emérito genealogista rio-grandense Carlos Grandmasson Rheingantz, natural de Rio Grande, fundador do Colégio Brasileiro de Genealogia, sediado no Rio de Janeiro. Em começos dos anos 1980, Rheingantz elaborou e doou para o Museu Dom Diogo de Souza, em Bagé, seu trabalho Famílias Primeiras de Bagé, no qual apresenta a genealogia das 31 famílias mais antigas e importantes de Bagé. Esse trabalho começou a ser publicado em fascículos pelo saudoso historiador bajeense Tarcísio Costa Taborda em 1992. Taborda, falecido em 1994, chegou a publicar apenas 2 fascículos, o primeiro referente à família Silva Tavares e o segundo referente à família Borba. Todos os outros 29 fascículos permanecem inéditos, entre eles os referentes aos Brasil e aos Collares. No entanto, os originais permanecem disponíveis no Museu Dom Diogo e Souza, e têm sido consultados por inúmeros pesquisadores.


terceiro historiador da família foi Oscar Pereira Henderson, de Paysandú, que, em novembro de 1986, escreveu Orígenes e Historia de Estancia Cerro de la Bandera, publicado em edição mimeografada pelo próprio autor naquele mesmo ano. Deu-me um exemplar dessa obra em 1999, quando fui procura-lo em Paysandú.


O quarto foi Antônio Silveira Pires, que reuniu também valiosíssima coleção de fotografias e publicou, em 1992, em Bagé, Palmas da Gente, Guardados de Memória (Urcamp Editora), em dois volumes. Também esse autor gentilmente me cedeu, em 1997, seus dois álbuns de fotografias dos Collares (cada álbum dedicado a um dos dois ramos da família), para que eu extraísse cópias.


O quinto desses pioneiros foi Carlos Roberto Martins Brasil, que, além de conservar os mais antigos manuscritos da família e vários outros documentos e objetos igualmente do maior valor histórico, foi o autor de duas obras primorosas, ambas publicadas em Porto Alegre: Pioneiros Açorianos, de 2005 (editora Edigal Renascença), a qual também tive a honra de prefaciar, e Sesmarias em São Sebastião de Bagé, de 2009 (editora Renascença).


Outros livros também muito importantes são o História de Bagé, de Eurico Jacintho Salis, o Diário de Cecília Assis Brasil e os Diários da Revolução de 1893 (em dois volumes[1]), que são repletos de alusões a feitos e dados biográficos dos primeiros Collares, particularmente aqueles que tomaram parte nas revoluções de 1893 e de 1923.


Com efeito, os grandes acontecimentos da última fase da história dos primeiros Collares foram suas participações em todas as revoluções havidas contra os governos ditatoriais da República e do Rio Grande do Sul (1891, 1893-1895, 1923 e 1930).


Para finalizar esta breve introdução, transcrevemos, como ilustração do acima dito, a seguinte notícia dada na edição de 19-11-1891 do jornal A Federação, de Porto Alegre, a respeito da revolta rio-grandense contra a ditadura instaurada pelo presidente Deodoro da Fonseca em 03-11-1891, quando dissolveu o Congresso:


Uma folha de Bagé refere que o vigário da paróquia, cônego João J. de Bittencourt, alistou-se no batalhão patriótico que se organiza naquela cidade, acompanhando sua assinatura de frases que muito agradaram.

Trata-se de organizar naquela cidade um batalhão de reserva.

À referida cidade chegara, procedente do rincão das Palmas e Bolena, uma força de 400 homens, reunidos pelas famílias Brasil e Collares.

Esta é comandada pelo tenente-coronel L. [Leonardo] José Collares, que conta como auxiliar o tenente-coronel Severino Coelho Brasil.

A força está alojada em compartimento do quartel novo, cedido pelo capitão de engenharia dr. João de Deus Martins.


[1] TAVARES, Francisco da Silva. Diário da Revolução de 1893 / Francisco da Silva Tavares, João Nunes da Silva Tavares: organização de Corálio Bragança Pardo Cabeda, Gunter Axt e Ricardo Vaz Seelig, Porto Alegre, Procuradoria-Geral de Justiça, Projeto Memória, 2004.

Mapa da migração dos Collares: de Mostardas, onde a família foi fundada em 1788, para Palmas (Bagé) em 1820 e para Corrales (Paysandú) em 1836.


2. Os dois irmãos que vieram para as Palmas

José Luís Collares e Leonardo José Collares, os dois filhos homens do casal José Luís Colares e Anna Ignácia de Jesus, tendo perdido o pai quando o mais velho tinha apenas cinco anos, começaram cedo a trabalhar duro, valendo-se da ajuda de José de Souza Machado, que lhes emprestava cavalos, bois e carretas, e lhes permitia que usassem o seu campo, em Mostardas.


Cedo aprenderam, não só as lides de campo, mas também a ler e escrever, o que não era nada comum na época. Quem os ensinou foi, possivelmente, o padre Bernardo, pároco de Mostardas[1].


Por volta de 1810-1815, José Luís e Leonardo passaram a trabalhar com os irmãos Laurindo e Severino Teixeira Brasil, que eram em média onze anos mais velhos que eles, e que haviam saído de Mostardas para tentar a fortuna na região da Campanha[2]. Leonardo passou a trabalhar com Severino, e José Luís com Laurindo. Mais tarde, em 1819, José Luís Collares se casou com Luciana, filha de Laurindo Teixeira Brasil, e, em 1820, Leonardo José Collares se casou com Silvana, filha de Severino Teixeira Brasil.


A partir dessa época, a história dos Collares se confunde com a história dos Teixeira Brasil.


Essa história começa com a fundação de Caçapava do Sul e de Canguçu por famílias açorianas em 1800, sendo que muitas dessas famílias eram provenientes de Mostardas, e várias delas parentes dos Collares e dos Teixeira Brasil.


Laurindo Teixeira Brasil foi um dos pioneiros povoadores de Canguçu[3]. Em 19-10-1806, voltou a Mostardas para casar-se com Francisca Maria da Conceição, filha daquele José de Souza Machado de quem já falamos e de Bárbara Maria de Jesus. Trouxe a mulher para Canguçu, onde o casal teve suas duas únicas filhas, Luciana e Firmiana, nascidas, respectivamente, em 26-09-1807 e em 02-01-1811[4].


Enquanto isso, seu irmão Severino Teixeira Brasil foi para Caçapava do Sul, para onde levou a família em 1809. Em 1817, Severino adquiriu a Estância da Boa Vista, situada no atual município de Caçapava do Sul. Depois, em 1820, adquiriu a sesmaria de Gaspar Francisco Gonçalves Cassão, nas Palmas, atual município de Bagé, em cujos campos fundou a Estância das Palmas, onde foi morar com a família[5].


A sede da Estância da Boa Vista se encontra próxima à BR 153, com acesso no Km 544 dessa rodovia. Suas coordenadas geográficas são (medidas em graus) -30,753662 (latitude sul) e -53,538371 (longitude oeste).


Foi no período em que Severino Teixeira Brasil possuiu a Estância da Boa Vista, em Caçapava do Sul, que se deu o primeiro acontecimento conservado pela tradição oral dos Collares. É o famoso Causo da Tigra, um dos muitos que são contados para ilustrar a extrema habilidade de nossos antepassados com o laço e as boleadeiras.


Este causo é relatado por Antônio Augusto Collares de Oliveira da forma seguinte:


Nesses campos, situados à margem esquerda do Rio Camaquã, há uns cerros e um arroio denominados, respectivamente, Cerros e Arroio da Tigra, os quais, segundo tradição oral, receberam esse nome em memória de um feito do capataz Leonardo José Collares, que, ao clarear do dia, numa agarrada de gado chimarrão ocorrida naquelas imediações, conseguiu, com destreza, laçar e matar uma “tigra” (onça) que andava rondando o rebanho a fim de pegar algum terneiro desgarrado[6].


O saudoso Sr. Affonso Miranda Collares, em visita que lhe fiz em 31-08-1994 (exatamente quatro meses antes de sua morte em 31-12-1994), contou-me que o episódio “aconteceu ao clarear do dia; estavam todos aguardando o clarear do dia a fim de apanhar o gado reunido no parador; ainda no escuro, salta um vulto, que Leonardo julgou ser um terneirinho tentando escapar-se; laça-o com destreza, e vê que se tratava de um ‘tigre’”.


O Cerro da Tigra, de perfil bem arredondado, é avistado do Km 555 da rodovia BR 153 (v. foto abaixo). Suas coordenadas são -30,827358 e -53,625091. No Km 556, há a ponte sobre o Arroio da Areia, cujas águas vão formar logo adiante o Arroio da Tigra, ao receberem as águas do Arroio Lajeado. O Arroio da Tigra circunda o Cerro da Tigra ao sul. Todas essas terras pertenciam à antiga Estância da Boa Vista.


[1] Certamente não foi a mãe Anna Ignácia, pois ela não sabia nem assinar o nome (assinava com uma cruz).[2] Os Teixeira Brasil eram parentes dos Collares por parte dos Souza. Os Souza de Mostardas tinham origem em dois irmãos, Thomé de Souza e Estêvão de Souza, que, em 1752, vieram da Vila Nova do Topo, Ilha de São Jorge, Arquipélago dos Açores. Os Teixeira Brasil eram netos de Thomé, e os Collares eram bisnetos de Estêvão.[3] NEVES, Ilka. Canguçu-RS: Primitivos Moradores, Primeiros Batismos (Pelotas, UFPEL, Editora Universitária, 1998).[4] NEVES, op. cit., pág. 248.[5] A documentação dessas aquisições é apresentada por Carlos Roberto Martins Brasil nos Anexos 6 e 7 de seu livro Sesmarias em São Sebastião de Bagé (Porto Alegre, Renascença, 2009).[6] OLIVEIRA, Cândido Pires de. Alma, Terra e Sangue: Fragmentos da História das Palmas em Bagé-RS, Bagé, Gráfica do Instituto de Menores, 2003, pág. 35.

Segundo o cálculo efetuado por Carlos Roberto Martins Brasil, a Estância das Palmas tinha 390 quadras de sesmaria (cerca de 34.000 hectares). Severino vendeu 75 quadras (cerca de 6.500 hectares) dessa estância para seu irmão Laurindo. Nesses campos Laurindo construiu o chamado Sobrado, que existe até hoje, na beira da estrada que vai para as Casas de Pedra, a cerca de 6 km do entroncamento dessa estrada com a rodovia BR 153 (Km 578). Suas coordenadas geográficas são -30,995998 e -53,622200. A foto abaixo é do Sobrado, avistado do Km 575,8 da BR 153.

A tradição oral conservou a memória de que teriam sido 70 quadras de campo, que Laurindo teria adquirido de Severino em troca de 70 touros[1]. Conservou também a história do Sobrado, que teria sido construído por José Luís Collares, que era hábil pedreiro. Nesse Sobrado Laurindo Teixeira Brasil morou até morrer, em 1860[2].


A sede da Estância das Palmas existe até hoje, na margem norte da rodovia BR 153, próxima à ponte sobre o Arroio das Palmas e o cemitério. Suas coordenadas geográficas são -31,062491 e -53,686102. A foto abaixo é do aspecto atual da sede dessa estância, avistada do Km 584 da BR 153.


[1] OLIVEIRA, op. cit., pág. 39.[2] Antônio Silveira Pires em Palmas da Gente diz que o Sobrado teria sido construído por Severino José Collares, mas ele consta do inventário de Laurindo Teixeira Brasil. Carlos Roberto Martins Brasil também é de opinião que a casa descrita no inventário de Laurindo só pode ser o Sobrado. O Sobrado é, na verdade, uma casa assobradada (“casa com sobrado”, como aparece nos inventários). Foi herdado pelos filhos de Firmiana (que faleceu antes do pai), mulher de Mateus Teixeira Brasil, ficando para Francisca, casada com Severino José Collares. Ali nasceu e foi criada a Vanica, Silvana Collares Brasil Collares, que se tornaria a mais forte estancieira em Corrales. Uns 100 metros à direita do Sobrado, ainda hoje é possível ver os restos do “açude da Vanica”, pequeno açude com uma pequena ilha, onde Vanica brincava.

Segundo Antônio Augusto Collares de Oliveira, o cemitério das Palmas teria sido fundado por Severino, que teria deixado 1 quadra de campo no entorno para o sustento do zelador. Esse legado, todavia, não consta de seu testamento.


As 315 quadras que restaram após a venda das 75 quadras para Laurindo foram distribuídas por Severino para seus 5 filhos e genros da seguinte forma[1]: os filhos Matheus e José receberam 65 quadras (5.663 ha) cada um, ao passo que o filho Alexandre e os genros Leonardo José Collares (casado com Silvana) e Nicolau Antônio Pereira (casado com Maria Magdalena) ficaram com 61,5 quadras (5.358 ha) cada um. Essa distribuição se deu no final de 1826, quando Severino (que já tinha vendido a Estância Boa Vista) adquiriu três léguas de campo em Santo Antônio da Patrulha e para lá foi com a mulher e a filha solteira (Maria Magdalena, que em 1832 se tornaria mulher de Nicolau Pereira[2]).


Os campos de Matheus Teixeira Brasil constituíram a Estância do Posto, atual Estância Santa Silvana, no Corredor dos Brasil, hoje de propriedade de seu descendente Carlos Roberto Martins Brasil. O Corredor dos Brasil parte do Km 587 da BR 153, e a sede da Santa Silvana se acha a cerca de 16 km por esse corredor. Suas coordenadas geográficas são -31,143107 e -53,713325.


A sede da estância que antigamente foi de José Teixeira Brasil, próxima ao passo do Arroio Traíras, no lugar antigamente conhecido como Cavalheiro, está hoje em ruínas. Fica à beira da BR 153, no Km 589. Segundo a tradição oral, essa casa teria sido construída aproveitando parte da estrutura de outra mais antiga, onde teria morado um certo Cavalheiro. Esta teria sido a casa mais antiga das Palmas, onde Severino Teixeira Brasil teria habitado com a família, antes de construir a sede da Estância das Palmas. De qualquer forma, da casa que foi de José Teixeira Brasil atualmente só restam ruínas.


Os campos de Leonardo constituíram a Fazenda Nova, depois chamada Estância do Cerro da Cruz, atual Estância Três Flores. Atualmente é de propriedade de Teófilo Collares, cuja casa foi construída aproveitando algumas paredes da antiga casa que foi de Leonardo e Silvana. Chega-se lá por este trajeto: no Km 584,5 da BR 153, entra-se no Corredor dos Collares, seguindo-o até o fim (são 8,3 km), quando entronca na estrada Bagé – Passo do Cassão. Toma-se essa estrada à esquerda; depois de passar pelo entroncamento do Corredor do Severo Collares (5 km) chega-se ao entroncamento da Estrada da Catarina (1,5 km depois do entroncamento antes citado), onde fica a porteira da Estância Três Flores. Suas coordenadas são -31,064749 e -53,582073.


Os campos de Nicolau Pereira constituíram a Estância da Arvorezinha, cuja sede é atualmente de propriedade de Maria Adelaide Brasil Blanco (Estância Santa Alice).


O filho Alexandre Teixeira Brasil herdou a sede da Estância das Palmas. Posteriormente vendeu esses campos e adquiriu outros no Ponche Verde, município de Dom Pedrito, aonde foi morar.


E aqui entra outra história conservada pela tradição oral dos Collares, que se passou no tempo em que a Estância das Palmas era de propriedade de Alexandre Teixeira Brasil. Conta que, num dia de marcação de terneiros, na hora do churrasco, Leonardo José Collares viu dois negros, escravos de Alexandre, que carregavam uma gamela cheia de ossos de boi, que fediam a podre. Perguntou aos negros aonde levavam aquilo, e eles lhe responderam que era para preparar o almoço dos escravos. Então Leonardo mandou que pegassem uma vaca de Alexandre para carnear e que fizessem um churrasco.


Essa história revela a ascendência de Leonardo José Collares sobre o cunhado Alexandre. Com efeito, após a morte de Severino, parece que foi Leonardo quem assumiu o posto de patriarca da família. Armando Luís Martins Brasil relata uma tradição que remonta à sua trisavó Maruca (Maria José Brasil Collares), que contava que seu pai Leonardo era “o rei da família”.


Abaixo, vista das Palmas, campos ao norte do Alto da Tuna, no Corredor dos Collares. Antigamente esses campos foram da Estância Santa Benigna, fundada por Thomás José Collares em 1879, a qual depois pertenceu a seu filho Leonardo José Collares Sobrinho e, por último, a seu neto João Cirne Collares.


[1] BRASIL, Carlos Roberto Martins. Sesmarias em São Sebastião de Bagé (Porto Alegre, Renascença, 2009), págs. 122-128[2] BRASIL, Carlos Roberto Martins. Pioneiros Açorianos (Porto Alegre, Edigal-Renascença, 2005), págs. 119-122. Carlos Brasil demonstra que Nicolau Pereira, até se casar com Maria Magdalena em 1832, ficou de administrador do campo, prestando contas a Severino.

A foto seguinte é da sede da Estância Santa Benigna. Fica próxima ao entroncamento do Corredor dos Collares com a estrada Bagé – Passo do Cassão. Recentemente essa sede voltou a estar de posse da família ao ser adquirida por Leonardo José Collares, tetraneto de Thomás. Suas coordenadas são -31,098077 e -53,628658.


3. As grandes compras de campos em Corrales de Paysandú

Entre os anos de 1836 e 1842, os filhos e genros de Severino Teixeira Brasil e de seu irmão Laurindo Teixeira Brasil adquiriram largas extensões de campo na região do Arroio Corrales e do Rio Queguay-Chico, afluentes do Rio Queguay, também chamado Queguay-Grande, no Departamento de Paysandú.


Cândido Pires de Oliveira, em sua obra já mencionada, faz menção a duas dessas compras: “uma no local denominado Bocaina, mais ou menos nas nascentes do Arroio Corrales, e a outra denominada Corrales, situada entre o arroio de mesmo nome e o Rio Queguay Grande”[1].


Meu saudoso e querido amigo Tomazito (Tomás José Collares Collares)[2], em carta de 31-03-1994, enviada de Montevidéu, escreveu-me que esses campos “saíram do domínio fiscal para Felipe Contucci (...) sogro de Manuel Oribe (2º presidente do Uruguai) e de Contucci para o general Fructuoso Rivera (1º presidente) e deste já passa às mãos de Collares (...). Fica-me uma dúvida quanto a Contucci e Rivera; no entanto inclino-me a pensar que a informação supra é verdadeira”.


Dias depois, em 25-04-1994, escreveu-me: “Estou de posse de mais informações (...) e confirmo: Rivera foi o 1º presidente uruguaio (1830-1834) e Oribe o 2º (1834-1838), sendo aí deposto por Rivera, que tornou-se ditador até ser sucedido por Joaquim Soarez, depois de um período relativamente curto, feito prisioneiro e deportado ao Brasil. Nesse mandato de Rivera os Collares localizam-se nos campos de Paysandú (...) os Collares chegam a Paysandú no governo de Rivera e aí recebem os campos que pertenciam a este, mas oficialmente a F. Contucci (sogro de Oribe) em 1838. Veio um Collares com dois Teixeira Brasil (...) o fato de os Collares serem riveristas não resta dúvida”.


Tomazito obtivera essas informações de seu sobrinho Marino Irazoqui Collares, que as havia obtido nos arquivos de Montevidéu. Em 19-05-1994 Marino escreveu-me para relatar que “la radicación de los Collares y los Teixeira Brasil (luego Pereira Brasil) es de 1838, la fecha surge de las escrituras de los campos – incluso los nuestros – en donde se establece además que la salida fiscal fué en 1833 del Presidente Rivera a Felipe Contucci, la venta a nuestros antepasados se verificó cinco años después”.


Segundo essa informação, os campos recebidos ou comprados por Felipe Contucci em 1833, no tempo em que Rivera era o presidente da república, eram de propriedade do Estado. Haveria uma suspeita de que Contucci seria mero preposto de Rivera, isto é, que Rivera, na verdade, estaria se apropriando daquela área, usando Contucci como interposta pessoa. Parece, porém, que o mais natural seria que Contucci servisse de interposta pessoa para Oribe, que era seu genro. Seja porém como for, em 1838 um Collares (que creio que só pode ter sido Leonardo) e dois Teixeira Brasil (que também creio só podem ter sido Alexandre e José) adquiriram esses campos de Felipe Contucci[3].


Outro nosso saudoso parente, Oscar (Cacho) Pereira Henderson, de Paysandú, em sua obra Orígenes e Historia de Estancia Cerro de la Bandera[4], nos dá notícia de outro campo na região de Corrales e Queguay-Chico que veio a ser de propriedade de Rivera, não quando era presidente, mas sim no período seguinte, quando foi Comandante Geral da Campanha, sendo Oribe presidente da república:


En la documentación a la vista hemos deducido que en la zona (...) aparece el inefable Rivera obteniendo títulos de parte de esos campos dados por el Superior Gobierno el 5 de febrero de 1835. Los derechos le fueran cedidos por el Sr. Juanicó (casado con una González), el 25 de enero de ese año (...) al hacerse del campo Rivera era Comandante General de Campaña, segundo cargo en el poder de la época. Después lo vendió para tener diñero para sus correrias[5].


Mas Cacho Pereira nos traz notícia ainda mais interessante: a compra de outros campos do outro lado (oeste) do Arroio Corrales, entre este arroio e o Rio Queguay-Chico, por Mateus Teixeira Brasil, Leonardo José Collares e José Luís Collares, em 1836. Foi esta a primeira aquisição de campos em Corrales.


Antes, porém, de falar desses outros campos, vamos mencionar duas outras fontes de informações.


A primeira é o mapa oficial do Departamento de Paysandú datado de setembro de 1922, conservado pelo nosso parente Guillermo Franco Medeiros, residente em Paysandú. Esse mapa apresenta a localização e os limites de todas as propriedades rurais daquele departamento, com a identificação dos respectivos proprietários. Facilmente reconhecemos os nomes dos descendentes de Mateus Teixeira Brasil, Leonardo José Collares e Nicolau Antônio Pereira, o que nos permite formar uma boa ideia sobre a localização e os limites dos campos originalmente adquiridos por aqueles pioneiros.


Por exemplo, com base no mencionado mapa, verificamos que, em 1922, os campos da Bocaina e de Corrales, referidos por Oliveira, estavam todos de posse de netos de Leonardo José Collares. Verificamos, igualmente, que, embora Alexandre Teixeira Brasil, José Teixeira Brasil e José Luís Collares tenham também adquirido campos na região de Corrales e Queguay-Chico, tudo indica que logo os venderam para outros parentes, e mesmo para terceiros[6].


Finalmente, outras preciosas notícias, embora não muito precisas, da localização e do estado das propriedades de Mateus Teixeira Brasil, José Luís Collares, Leonardo José Collares e Alexandre Teixeira Brasil na região entre o Rio Queguay-Chico e o Arroio Corrales, relativas ao ano de 1850, aparecem no Relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros apresentado à Assembleia Geral Legislativa do Império do Brasil no ano de 1851[7].


Segundo esse Relatório, os campos de Mateus Teixeira Brasil começavam, ao norte, na Coxilha del Arbolito, que é a divisa entre os departamentos de Salto e Paysandú, e dali desciam costeando a margem ocidental do Arroio Corrales, limitando, a oeste, com o campo de Felisberto Pereira Prates, e, ao sul, com o campo de José Luís Collares. O campo de José Luís Collares, por sua vez, também costeava o Arroio Corrales pela sua margem ocidental; a oeste, limitava-se com José Silveira, e, ao sul, com o Rio Queguay Grande[8]. Essa informação,  porém, deve estar errada, pois, se os campos de José Luís Collares se estendessem ao sul até o Queguay Grande, teriam várias léguas de comprimento, o que não é possível.


Ainda de acordo com o mesmo documento, o coronel Jerônimo Jacintho Pereira[9] era proprietário de um campo que, assim como o de Mateus, limitava, ao norte, com a Coxilha del Arbolito, mas se situava do lado oriental do Arroio Corrales, limitando a leste com o Rio Queguay-Grande. Esse campo foi confiscado pelo general Oribe em 1843 ou pouco depois, que o doou para seu oficial Diogo Lamas. O curioso é que as dimensões e os limites desse campo abrangem os campos da Bocaina. Pode ser que o Relatório esteja incorreto, mas, se os limites desse campo do coronel Jerônimo Jacintho Pereira eram realmente esses acima mencionados, então os campos da Bocaina podem ter sido comprados desse coronel depois de 1851, ou seja, depois da derrota de Oribe na revolução uruguaia conhecida como Guerra Grande (1836-1851).


Na verdade, conforme adiante explicaremos, esses campos da Bocaina podem ter sido comprados muito mais tarde ainda.


Quanto aos campos de Corrales, tudo indica que devem ter sido adquiridos em 1838. Sua parte mais ao sul constituiu a Estância Corrales, a qual, segundo a tradição familiar, teria sido fundada em 1837 por Thomás José Collares, filho mais velho de Leonardo. Ocorre, porém, que, em 1837, Thomás tinha apenas 16 anos, sendo improvável que tivesse ido para o Uruguai em meio à Guerra Grande com tão pouca idade. Além do mais, essa informação sobre a fundação da Estância Corrales é do já citado Tomazito, que, em 1994, convenceu-se, conforme já vimos, que a compra dos campos foi feita em 1838. Talvez a compra já tivesse sido feita por contrato particular em 1837, e levada a registro somente em 1838.


Mas vejamos agora a história da compra dos campos entre o Rio Queguay-Chico e o Arroio Corrales, em 1836.


Segundo Cacho Pereira, a maior parte dos campos (60 suertes de estancia, quase 120.000 hectares) compreendidos entre os rios Queguay-Chico e Queguay-Grande (área na qual se acha compreendido o Arroio Corrales), foram concedidos pelo rei da Espanha, em 1807, ao fidalgo espanhol Dom Diego José González, que, já em 1813, repartiu-os entre seus filhos e filhas.


Cacho Pereira refere[10] a escritura, passada em 06-05-1836, na qual figuram como vendedores Ángela Laguna de González, María Mercedes González e José M. Turreiro (respectivamente, uma nora, uma filha e um genro de Diego José González), e, como compradores, Mateus Teixeira Brasil, Leonardo José Collares e José Luís Collares.


Cacho não registrou os limites dos campos adquiridos pelos Collares, mas registrou os dos adquiridos por Mateus, cuja extensão foi de 8 suertes e 19.948.397 varas cuadradas (ou seja, aproximadamente 8,74 suertes). No antigo sistema de medidas brasileiro, que ainda é informalmente usado no Rio Grande do Sul, essa área corresponde a 199,8 quadras de sesmaria de campo. No sistema métrico, corresponde a 17.410 hectares[11].


A área total adquirida foi de 13 leguas e 3896 varas, que correspondem a 396,4 quadras de sesmaria (34.533 hectares). Quer dizer que aos irmãos Collares couberam 196,6 quadras (8,6 suertes). Talvez cada um tenha ficado com cerca de 98 quadras, ou seja, com cerca de 4,3 suertes[12].


Ainda segundo Cacho Pereira, as confrontações desses campos, constantes da escritura da venda, foram as seguintes:


Límite de lo adquirido: Queguay Chico al Norte por cañada de la Horqueta (Laureles) hasta cuchilla y Cerro Arbolito; recta al A. Corrales por este a barra del Arroyo Itacabó y recta al Queguay Chico.


No mapa de 1922, ao qual já fizemos menção, aparecem herdeiros de Mateus Teixeira Brasil principalmente na metade norte da área acima descrita. Na metade sul, predominam os descendentes de Leonardo José Collares[13].


É possível que os campos de José Luís Collares ficassem no extremo sul da área que estamos comentando (sobre o Arroio Itacabó), e que medissem 4,5 suertes. Então poderiam ser os campos referidos no seu inventário, e, também, no Relatório da Repartição de Negócios Estrangeiros, como situados ao sul dos campos de Mateus. Nesse caso, estaria errada a indicação do mesmo Relatório, segundo a qual os campos de José Luís iriam até o Rio Queguay Grande, no extremo sul dessa região[14]. Mas o Relatório acertou com relação às confrontações dos campos de Mateus, e não andou tão longe da verdade quando referiu que Leonardo José Collares seria “agregado” de José Luís Collares. Leonardo estava, sim, “junto” de José Luís na parte sul dos campos adquiridos por eles e por Mateus Teixeira Brasil.


Por outro lado, as cerca de 100 quadras de sesmaria de campo de Leonardo José Collares não podem ter sido vendidas, nem a Mateus Teixeira Brasil (em cujo inventário constam apenas as 8,74 suertes adquiridas em 1836), nem a José Luís Collares. Devem, portanto, ser parte das 13 suertes de campo que constam em seu inventário. Mas então as outras 200 quadras que faltam para completar as 13 suertes só podem ser os campos de Corrales, adquiridos em 1838 (que medem, aproximadamente, 200 quadras de sesmaria). Isso parece indicar que os campos da Bocaina (100 quadras de sesmaria) devem ter sido adquiridos não por Leonardo, mas talvez por um seu descendente. Como esses campos vieram a pertencer a Leonardo Collares da Silva, creio que foram adquiridos por este depois de 1878, ano da morte de seu pai Francisco José da Silva (Chico Rengo). Francisco José da Silva foi quem cuidou dos campos de Leonardo José Collares em Corrales e deixou, ao morrer, uma pequena fortuna em cabeças de gado, que pode ter sido usada para a compra dos campos da Bocaina.


Cacho Pereira alude também à compra de terras efetuada na mesma data (06-05-1836) por José Teixeira Brasil na margem ocidental do Rio Queguay-Grande, “campos de los que hoy forman parte la Estancia de Gastellú”[15]. Tais campos se situam entre os campos de Corrales, adquiridos por Leonardo José Collares na margem oriental desse arroio (compra de 1838), e o Rio Queguay-Grande. José Teixeira Brasil provavelmente os vendeu a terceiros, pois, em 1922, não havia ali nenhum proprietário que fosse descendente dos Brasil ou dos Collares.


Da compra de campos efetuada por Nicolau Antônio Pereira em 1842, Cacho Pereira dá notícia minuciosa, pois que interessa mais que todas ao assunto de seu livro:


Y aqui tenemos la fecha clave para Cerro de la Bandera. Por escritura referida en la Villa de Guadalupe de los Canelones, ante el Esc. Lebron, el citado Joaquín R. González vende a Nicolás Antonio Pereira y Antonio J. da Silveira (yerno del 1º) 12.322 hectáreas de campo que se deslindan: A. Queguay Chico, Mateo Texeira Brasil, Justo Diego González (de los últimos en vender a Mateo) y Felisberto Pereira por el Oeste. Aquí tenemos el futuro asomo de la conformación centenaria de le vieja y querida estancia.


Esses 12.322 hectares correspondem a 6,2 suertes (ou 141,4 quadras de sesmaria) das quais metade ficou para Nicolau e metade para seu genro Antônio José da Silveira. Eram campos contíguos aos adquiridos por Mateus, Leonardo e José Luís em 1836, com os quais fazia divisa pela linha reta que saía da barra do Arroio Itacabó e ia encontrar o Rio Queguay-Chico em algum ponto abaixo da barra do Arroio Horqueta.


Como se vê do trecho acima transcrito, Mateus Teixeira Brasil, depois de 1842, ainda teria comprado mais um campo dos González (de Justo Diego González). No seu inventário, porém, não aparece esse campo.


Enfim, foram várias compras de campo em várias datas, desde 1836 até 1842, senão talvez até depois de 1851.


No total, segundo nossos cálculos, os Brasil, Collares e Pereira devem ter comprado, seguramente, mais de 1.000 quadras de sesmaria de campo em Corrales. Traduzido em termos do sistema métrico, algo em torno de 100.000 hectares. Eram campos capazes de invernar 100.000 cabeças de gado.


Sem nenhuma dúvida, tinham tudo para ficarem muito ricos.


Porém, teriam ainda de esperar meio século para tirar proveito integral de suas estâncias. A razão disso vamos ver mais adiante.


[1] Op. cit., pág. 42.

[2] Filho caçula de João Cirne Collares. Foi o único dos 9 filhos de João que teve 2 Collares no sobrenome.

[3] Esse Felipe Contucci, cunhado e sogro de Oribe, era o mesmo que, na década de 1810, sabendo das pretensões da princesa espanhola Carlota Joaquina, mulher de Dom João VI, de se tornar rainha das antigas colônias espanholas que hoje são a Argentina, o Uruguai, o Paraguai e o Chile, trocou várias cartas com a dita princesa, e serviu de seu intermediário em Buenos Aires e em Montevidéu. Outra façanha que se lhe atribui é de ter sido o maior contrabandista de seu tempo. Morreu em 1843.

[4] PEREIRA HENDERSON, Oscar. Orígenes e Historia de Estancia Cerro de la Bandera y la Familia Pereira Brasil: edição mimeografada, Paysandú, novembro de 1986.

[5] Op. cit., pág. 5.

[6] No caso de José Luís Collares, foram seus herdeiros que logo venderam os campos, pois os campos constam do seu inventário.

[7] Relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros (Rio de Janeiro, Typographia Universal de Laemmert, 1851), Anexo A (Negócios do Rio da Prata), especialmente págs. 58 e 70.

[8] Relatório da Repartição..., Anexo A, pág. 58.

[9] Jerônimo Jacintho Pereira morava nas imediações da Coxilha de São Sebastião (hoje Bagé), quando foi convocado a se alistar, como miliciano, no exército de Dom Diogo de Souza em 1811. Nessa mesma convocação, Severino Teixeira Brasil, que então morava em Caçapava do Sul, foi dispensado. Jerônimo foi pai de Pedro Jacintho Pereira, que foi casado com Gertrudes, filha de Mateus Teixeira Brasil. Cacho Pereira (op. cit., págs. 8-9) informa que Pedro participou da tomada de Paysandú em 1864, teve uma charqueada (Saladero Román) e um jornal (La Tribuna Oriental). Tendo ido à falência, vendeu seus campos, entre os quais a estância El Buen Retiro, no fundo do rincão formado pelo Arroio Corrales e Rio Queguay-Grande (ao sul dos campos dos Collares). Essa estância foi vendida para a firma Barreto y Morató. Provavelmente foi essa firma que construiu, talvez em 1924, o magnífico Castillo Morató, sem dúvida o principal ponto turístico de Corrales. Suas coordenadas são -32,198914 e -56,745017. Fica a poucos quilômetros ao sul da Estância Corrales (é só seguir a estrada).

[10] Op. cit., pág. 6.

[11] No Uruguai, uma suerte de estancia é um campo de 30 cuadras (3.000 varas ou meia légua castelhana) de frente por 90 cuadras (9.000 varas ou uma legua e meia) de fundo, com área, portanto, de 2.700 cuadras cuadradas (27.000.000 de varas cuadradas ou ¾ de legua cuadrada). Como a cuadra uruguaia mede 100 varas e 1 vara mede 85,9 centímetros, a cuadra cuadrada corresponde a 0,737881 hectares e a suerte de estancia a 1.992,2787 hectares. No Rio Grande do Sul, uma quadra de sesmaria é um campo com uma quadra (132m) de frente por uma légua (6.600m) de fundo, cuja área é de 87,12 hectares. Portanto, uma quadra brasileira corresponde aproximadamente a 118 cuadras cuadradas uruguaias (como exatamente me informou em 1999 Ariel Ramos Collares, corretor de imóveis em Tacuarembó), e 1 suerte de estancia corresponde a 22,8682 quadras brasileiras (e não a 25 quadras, como alguns creem).

[12] Naquela época, em toda a metade norte do Uruguai, tudo era brasileiro: o povo, a língua, os costumes, até a moeda e os sistemas de medidas. Os negócios de compra e venda de campos eram acertados em quadras de sesmaria, que eram convertidas para suertes de estancia somente no momento de registrar a compra e venda nos cartórios uruguaios. Por isso não nos devemos surpreender quando constatamos que as medidas dos campos são tão aproximadas de um número redondo de quadras de sesmaria. Por exemplo, no inventário de Leonardo José Collares, constam 13 suertes de campo no Uruguai, o que quer dizer 300 quadras de sesmaria campo. No inventário de José Luís Collares, constam 4,5 suertes, que são, na verdade, 100 quadras de campo. Da mesma forma, as 8,74 suertes adquiridas por Mateus Teixeira Brasil em 1836 são, na verdade, 200 quadras de campo. As pequenas diferenças surgem no momento da medição dos campos e não no momento da conversão de quadras de sesmaria para suertes de estancia..

[13] Curiosamente, não aparecem descendentes daquele Felisberto Pereira Prates, que, em 1850, era lindeiro de Mateus Teixeira Brasil, a oeste. Provavelmente isso se explique pelo motivo de que, em 1850, Felisberto estava louco, e se retirara para Paysandú. Os Pereira que aparecem em 1922 são descendentes de Nicolau Antônio Pereira.

[14] Da barra do Arroio Itacabó para o sul, até o ponto onde o Arroio Corrales deságua no Rio Queguay-Grande, são cerca de 20 km. Então, se o campo de José Luís Collares era esse mesmo, deveria ter pouco mais de 4 km de largura, para assim perfazer 4,5 suertes de estancia (8.965 hectares). Em 1922, essa área era de propriedade de um certo Luís Ignacio Garcia, que aliás possuía outras grandes propriedades na região.

[15] Op. cit., pág. 6.


4. Rápida visita às antigas estâncias de Corrales

Chega-se a esses campos seguindo a Ruta 26 rumo a Paysandú.


No Km 191 da Ruta 26 cruza-se a ponte sobre o Rio Queguay. No Km 173,3 sai à esquerda a estrada que leva aos campos da Bocaina. A 5,5 km por essa estrada chega-se à Estância La Bocaina, que foi de Hermes Collares da Silva e atualmente é dos Ramos, seus descendentes. Prosseguindo além, chega-se à Estância São Leonardo. Todas essas terras eram dos Collares da Silva.


Abaixo, foto do Mausoléu dos Collares, na Estância La Bocaina. Ali estão sepultados Hermes Collares da Silva, sua mulher Amabilia e vários descendentes.

Prosseguindo pela Ruta 26, logo adiante, no Km 171,7, avistaremos a Estância Santa Cecília, que, até 1970, foi do Biloca (Leônidas Franco da Silva) e da Zica (Cecília Collares Cassão), sua prima e esposa, e hoje é de seus descendentes. Logo mais, no Km 169,6, passaremos pela Sociedad Juán Gastellú, uma associação similar aos nossos centros de tradições gaúchas, cuja sede foi construída em terreno doado pelo Biloca, como se vê numa placa afixada na parede frontal. É um excelente lugar para fazer uma parada.


Prosseguindo, no Km 162,3 cruzaremos a ponte sobre o Arroio Corrales (coordenadas -31,903037 e -56,624285). Aqui começam os campos que foram de Mateus Teixeira Brasil.


No Km 160,4, chega-se a Paso Castel de Corrales, onde há um posto policial, uma escola e uma residência (coordenadas -31,904470 e -56,645931). Ali a Ruta 26 é cruzada pala estrada que leva, à direita, à Estância Arbolito, fundada por Mateus Teixeira Brasil (atualmente de propriedade de seu descendente Olavo Machado Vieira), e, à esquerda, para os campos dos Collares.


Seguindo ainda na Ruta 26 cruza-se, no Km 151, a ponte sobre o Rio Queguay-Chico. No Km 141, cruza-se a ponte sobre o Arroio Perdido, e, poucos metros adiante, a ponte do Arroio Laureles (coordenadas: -31,889657 e -56,838591). Esse Arroio Laureles também consta nos mapas com o nome de Arroio de la Horqueta del Queguay-Chico, e é o braço mais oriental do Rio Queguay-Chico. Esse arroio era o limite oeste da estância de Mateus Teixeira Brasil.


Como já dito, em Paso Castel de Corrales (Km 160,4) cruza a estrada principal de Corrales. Entrando por essa estrada rumo ao sul (à esquerda de quem vai a Paysandú), chega-se, a 3,2 km, a um entroncamento. À direita começa o “roteiro turístico nº 2” de Corrales, do qual falaremos mais adiante. Vamos explorar primeiro o “roteiro turístico nº 1”.


Passando esse entroncamento (sem dobrar à direita), cruzaremos, dali a 1,5 km, para o outro lado (lado leste ou esquerdo) do Arroio Corrales, por um pontilhão de pedra cimentada. Esse é o chamado Paso Castel. Duzentos metros adiante há outro pontilhão, mais comprido, sobre a Canhada de la Horqueta.


Trezentos metros adiante sai à direita a trilha que desce costeando o Arroio Corrales rumo à sede da antiga Estância Maria Francisca, que foi do Leonardo Collares Franco que era filho de Lisbela, o Nadico. Não confundir com o Naduca, que era o Leonardo Collares Franco filho de Maria das Dores. Ambos esses que tinham o mesmo nome eram netos de Leonardo José Collares, o Coronel Naduca, de quem eles lá no Uruguai entretanto não guardam memória; quando falamos do Naduca, eles pensam que se trata do filho de Maria das Dores.


Essa trilha que vai à Estância Maria Francisca logo se torna quase invisível, devido ao fato de que é raramente usada, porque a estância se acha desabitada desde 1997. Mas é só seguir costeando o Corrales por uns 8 quilômetros. As coordenadas da Maria Francisca são -31,983244 e -56,648014.


Mas voltemos à estrada por onde vínhamos. Adiante 1,7 km cruzaremos a vau a Canhada de la Canalera e seguiremos contornando lavouras e cruzando sangas e porteiras, sempre no rumo geral leste.


Estamos atravessando os campos que pertenceram ao Coronel Naduca, isto é, ao Leonardo José Collares filho de Leonardo José Collares. São campos herdados pela segunda mulher do Naduca, Adélia Rodrigues Feijó, e pelos filhos desse segundo casamento. Por exemplo, este campo no qual entramos ao passarmos a Canhada de la Canalera foram herdados pela Comba Collares. Maria das Dores e Lisbela, filhas do primeiro casamento de Naduca, herdaram campos ao sul destes, parte dos quais formaram a Estância Maria Francisca.


Ao sul de todos esses campos do Coronel Naduca, vinham, sempre costeando o Arroio Corrales, os campos da Maria José Collares, casada com Domingos Fernandes Mesquita. Ao sul destes, os campos de Gertrudes Collares, casada com Francisco José da Silva. Por último, os campos de Thomás José Collares (a Estância Corrales). Dos dez filhos de Leonardo José Collares, foram esses quatro citados que ficaram com seus primitivos campos em Corrales: Leonardo (Naduca), Maria José, Gertrudes e Thomás. Os demais, ou não herdaram campos em Corrales, ou herdaram, mas logo venderam para um daqueles quatro, ou para filhos destes. Alexandre José Collares, por exemplo, vendeu campos que possuía do outro lado do Arroio Corrales (lado oeste) para Alexandrino Franco, marido de Maria das Dores Collares.


Prosseguindo nosso trajeto, tendo vadeado a Canhada de la Canalera, passaremos por três porteiras de ferro, a última das quais a 4,5 km. Quinhentos metros além, no alto de uma coxilha, avistaremos, à direita, um comprido renque de eucaliptos. Ali fica a Estância do Formoso, que é a antiga Estância L’Entente, de Pipa Collares, filho do Coronel Naduca. A porteira se encontra 1,6 km mais adiante. Passando 600 metros dessa porteira, acha-se, à esquerda, a porteira da Estância El Águila Blanca, de meu amigo Ricardo Soares de Lima (Bocha).


Agora a grande notícia: essa estância que foi do Pipa Collares era a estância do seu pai, o Coronel Naduca. Isso ninguém soube informar-me, mas eu não tenho dúvida, após comparar o porte e a antiguidade das construções da sede dessa estância com as demais existentes nesses campos que foram do coronel. A residência do proprietário não parece antiga porque foi totalmente reformada após o incêndio que consumiu os antigos livros da estância (junto com a preciosa biblioteca do Pipa). Porém a caixa d’água, erguida sobre uma torre toda de pedras encaixadas, dentro da qual há ganchos de ferro para pendurar carne, é um exemplo. Protegida do calor pela caixa d’água em cima e as pedras das paredes, a carne se conservava por mais tempo (v. foto abaixo).

Além disso há o eucaliptal centenário, e várias construções para moradia de empregados, depósitos e galpões, que demonstram a riqueza do primitivo dono.


As coordenadas dessa estância histórica são -31,956600 e -56.554150.


A 1,5 km da porteira da Estância El Águila Blanca se acha a porteira da El Asombro. A sede fica 4 km para dentro. Atualmente de propriedade de Daniel Bauza, essa foi a segunda e última estância que Juvêncio Collares da Silva possuiu em Corrales[1]. Suas coordenadas são -31,971708 e -56,507994.


Encerramos aqui o “roteiro turístico nº 1”.


O roteiro nº 2 é um tanto mais longo. Ele parte do entroncamento que encontramos 3,2 km depois que saímos da Ruta 26. Ali tomaremos a estrada que entronca à direita.


Percorridos 800 metros, faremos uma parada para apreciar a bela vista do Cerro Illescas, que poderia ser o cartão-postal de Corrales (v. foto abaixo). Suas coordenadas são -31,956416 e -56,630564.


[1] Nos fundos da El Asombro sai uma estrada que, a 5 km, leva à sede da estância, hoje desabitada, que em 1922 foi de Ezequiel Soares de Lima. Dali se avista o Rio Queguay-Grande. Trata-se da primeira estância dos Soares de Lima em Corrales. Suas coordenadas: -32,002827 e -56,488658.

O Cerro Illescas bem poderia chamar-se, em português arcaico, Monte Vidio, isto é, monte que é visível de longe, que chama logo a atenção por se destacar na paisagem, por se impor de imediato às vistas do viajante. Esse era o significado do precioso adjetivo vidio, que a língua portuguesa perdeu. Foi com esse adjetivo que o navegador português Fernão de Magalhães, em 1520, batizou a colina que hoje se conhece como Cerro de Montevidéu, que é, de fato, a única elevação de destaque naquele litoral, que se avista das embarcações, chamando a atenção[1].


Illescas é o nome de uma antiga cidade da Espanha que se tornou sobrenome de várias famílias, sendo esse o principal motivo pelo qual vários outros lugares, rios e cerros vieram a ser batizados com esse nome (como foi o caso de uma cidade do centro-sul do Uruguai, fundada em 1891). Portanto, provavelmente existiu algum castelhano de sobrenome Illescas que viveu próximo a esse cerro (bem como à sanga que corre ao sul, a Canhada Illescas), ou que, por outra razão qualquer, teve o seu nome ligado a esse cerro.


Será que esse Illescas não foi um posteiro que um antigo proprietário dessas terras (Leonardo José Collares ou seu filho de mesmo nome) permitiu que ali morasse, para ficar de vigia?


É possível, porque esse cerro é também conhecido como Cerro del Bombero[2].


Interessante que bombero não é uma palavra originária do espanhol[3], mas do português arcaico bombeiro, que quer dizer vigia[4]. Esse nome Cerro del Bombero sugere que, possivelmente, esse cerro, que fica bem na entrada de Corrales, pudesse ter sido antigamente usado pelos primitivos moradores brasileiros como posto de observação. Como veremos mais adiante, as estâncias de Corrales foram, de 1836 a 1865, muito visadas por ladrões de gado, assaltantes de residências e, principalmente, tropas revolucionárias uruguaias em busca de cavalos e de gado para consumo.


Com efeito, por que outro motivo se daria a um cerro o nome de del Bombero?


Mas prossigamos o nosso passeio turístico.


A 2,5 km dessa nossa breve parada para apreciar a vista do Cerro Illescas ou del Bombero, encontraremos uma bifurcação. Se tomarmos a direita, a 900 metros chegaremos à porteira da Estância El Pantanoso, que foi de Severino Teixeira Brasil, o Severininho, e de sua mulher Francisca Collares. Severininho era filho de Mateus Teixeira Brasil, e sua mulher Francisca era filha de Leonardo José Collares, portanto irmã do Coronel Naduca, do Thomás, da Gertrudes e da Maria. As coordenadas dessa estância são -31,949501 e -56,672160.


Seguindo pela estrada da esquerda, encontraremos, a 2,4 km, a porteira da Estância La Marthita. Essa estância foi de Leonardo Collares Franco, não o Nadico, mas o Naduca, filho de Maria das Dores. Suas coordenadas são -31,967412 e -56,667878.


Adiante 600 metros, cruzaremos a Canhada Pantanoso por um pontilhão; 3,8 km depois, cruzaremos o paralelo de 32º sul; mais 700 metros, encontraremos outra bifurcação. A estrada da esquerda nos levará ao outro lado do Arroio Corrales e à Estância Corrales; a da direita nos levará à Estância El Corralito.


Se tomarmos a direita, chegaremos a El Corralito após percorrermos 7 km. Na metade desse caminho, teremos tido uma bela vista do imponente Cerro Itacabó, que é o marco do fundo dos campos dos Collares (que terminavam no Arroio Itacabó, logo atrás do cerro). Abaixo, a foto do Itacabó.


[1] Até hoje temos, no Brasil, várias antigas localidades, inclusive uma velha cidade de Goiás, que se chamam Montevidio ou Montevidiu. Todas essas localidades ficam próximas a um monte alto e isolado, que serve de referência para o viajante. Também a atual capital do Uruguai nós chamávamos, até princípios do século XIX, Montevidio. Passamos a chama-la Montevidéu somente mais tarde, por imitação da pronúncia castelhana. Daí vem naturalmente a pergunta: por que os castelhanos sempre disseram Montevideo em vez de Montevidio? Talvez porque o secretário de Fernão de Magalhães, assim como toda a tripulação do navio, era espanhol (pois Fernão de Magalhães estava a serviço da Espanha). Esse secretário ouviu seu comandante dizer Monte Vidio, mas escreveu Monte Video, por lhe parecer mais conforme ao espírito da língua castelhana. Ou talvez porque existisse, no castelhano do século XVI, um antigo adjetivo video, correspondente ao português vidio. Então Monte Video seria simplesmente a tradução de Monte Vidio.[2] Aliás, todos os moradores de Corrales com quem conversei só o conhecem pelo nome de Cerro del Bombero, embora nos mapas ele apareça como Cerro Illescas.[3] Existe outro cerro aí mesmo em Corrales que os mapas registram Cerro del Vigía, sinal de que bombero não é um termo do espanhol (ao menos não do espanhol culto).[4] Em Bagé e em toda a fronteira, onde ainda hoje se falam muitos termos do português arcaico, bombear significa olhar, espiar, vigiar.

Embora talvez não pareça, o Itacabó é mais alto do que o Illescas; na verdade, é o ponto de maior altitude não só de Corrales, mas de todo o Departamento de Paysandú. As coordenadas de sua parte mais elevada são -32,030726 e -56,740512.


A Estância El Corralito se chamava originalmente Estância Rosada e pertencia à Estância Corrales. Atualmente é de propriedade de Miguel York Olaso Collares, filho de Edith Collares e de Migual Olaso. Suas coordenadas são -32,045792 e -56,711654. Abaixo, a foto da sede dessa estância.

Voltando à bifurcação, o caminho da esquerda nos levará[1] à Estância Corrales, a mais antiga estância de toda a região de Corrales, fundada em 1837 (segundo a tradição oral) ou em 1838.


Tendo percorrido 1,4 km, cruzaremos o Arroio Corrales sobre um pontilhão comprido, logo após termos passado pela sede da estância que foi de Alexandrino Franco, casado com Maria das Dores Collares, que avistamos à direita da estrada. Essa estância se manteve na família até 1977. Suas coordenadas são -32,012371 e -56,679851.


Passando o Arroio Corrales, a estrada inflete para o sul e segue costeando o arroio. Como já dissemos, todos esses campos eram dos Collares. Adiante 1,3 km passaremos diante da porteira de uma Estância Corrales, que entretanto não é a que procuramos. A 2,7 km a estrada passará a seguir ao lado de uma cerca de pedras de 4,1 km de comprimento. Terminada essa cerca de pedras, teremos, 3,6 km adiante, de passar a vau a Canhada Manantiales. Vencido esse obstáculo, 400 metros adiante teremos chegado à porteira da antiga Estância Corrales, situada pouco antes de um embarcadouro de gado.


Esses campos estiveram de posse da família por 161 anos, desde 1838 até 1999. No tempo em que foi administrada por Silvana Collares Brasil Collares, os campos da Estância Corrales iam do Queguay-Chico, a oeste, até quase tocarem o Queguay-Grande, a leste. Eram 16 mil hectares, mais de 183 quadras de sesmaria. Depois, Ismael Romeu Collares, que foi o proprietário desde a morte de Silvana, em 1939, até sua morte em 1946, dividiu esse campo ao meio, dando a metade que ficava do outro lado do Arroio Corrales para Edith (a Estância El Corralito), e a metade deste lado para René. A El Corralito, como já vimos, continua na família; já a Estância Corrales foi vendida pelos 9 filhos de René, sendo que a última dessas vendas foi concretizada em 1999[2].


Suas coordenadas são -32,078930 e -56,697175. Abaixo, a foto do velho galpão da estância.


[1] Na verdade, da Estância El Corralito também é possível ir à Estância Corrales graças a um pontilhão construído sobre o Arroio Corrales no fundo daquela estância.[2] Quem me deu essa informação foi meu amigo Ariel Ramos Collares, corretor de imóveis de Tacuarembó, em 1999, sendo que foi ele próprio quem intermediou a venda da última fração de campo da Estância Corrales.

E assim termina nosso rápido tour pelos campos de Corrales.


5. A difícil situação dos brasileiros no Uruguai entre 1836 e 1880

Todos esses campos comprados por Mateus Teixeira Brasil e pelos irmãos José Luís e Leonardo José Collares em 1836 e 1838 estavam povoados com milhares cabeças de gado xucro, talvez mais de 10 mil.


Toda essa riqueza, porém, demorou para ser usufruída. Já em 1836 estourou a chamada Guerra Grande, nome pelo qual passou à História a sangrenta luta entre blancos e colorados no Uruguai e seus correspondentes federales e unitarios na Argentina, que durou até 03-02-1852. No Uruguai, o conflito se deu entre o general Oribe, blanco, e o general Rivera, colorado.


Durante todo o tempo dessa guerra, não só a região do Rio Queguay como toda a Campanha foi cruzada em todas as direções pelos exércitos em luta, que, para se alimentarem, carneavam, todos os dias, todo o gado que precisassem, que era subtraído dos estancieiros que pertenciam ao partido contrário.


A situação piorou quando, em dezembro de 1842, Oribe invadiu o Uruguai chefiando um exército argentino fornecido por seu aliado Rosas, presidente da Confederação Argentina. Oribe rapidamente avançou até Montevidéu, que submeteu a um sítio que durou de 1843 a 1851.


Piorou porque os blancos eram nacionalistas exaltados, e viam com péssimos olhos o fato de que, já naquela época, praticamente todos os campos do Uruguai situados na faixa de fronteira com o Rio Grande do Sul estavam nas mãos de brasileiros. Ali era como uma extensão do Brasil, inclusive na língua, pois só se falava português – como até hoje ainda se fala, em alguns pontos mais isolados dessa fronteira. Os brasileiros residentes no Uruguai representavam, por aquela época, 20% de toda a população do país.


Silva Ferraz, deputado pela então Província de São Pedro do Rio Grande, em discurso proferido na Assembleia Geral Legislativa do Império do Brasil em 01-03-1845, disse:


Ao passar ao outro lado do Rio Jaguarão, senhores, o traje, o idioma, os costumes, a moeda, os pesos, as medidas, tudo, tudo, senhores, até o outro lado do Rio Negro, tudo, tudo, senhores, até a terra, tudo é brasileiro.


E era verdade. Na época, Corrales não era chamada de Corrales, e sim de Currais, em português.


Logo que fechou o cerco a Montevidéu, Oribe enviou numerosas tropas para vigiarem a fronteira com o Rio Grande do Sul, que nesse tempo estava em guerra contra o Império do Brasil, a célebre Guerra dos Farrapos ou Revolução Farroupilha. O Rio Grande do Sul já tinha inclusive se separado das demais províncias brasileiras, com o nome de República Riograndense. Bento Gonçalves, o chefe dos farroupilhas, era amigo de Rivera, e, em 1842, ele, Rivera e os governadores das províncias argentinas de Santa Fé, Corrientes e Entre-Rios haviam chegado a planejar a fundação de um novo país, o Uruguay Mayor, unindo aquelas províncias, o Uruguai e a República Riograndense. Apesar de completamente delirante, esse plano dos colorados significava uma poderosa aliança militar contra Oribe e Rosas.


Mas, seja qual for o motivo pelo qual Oribe mandou tropas para a fronteira, o fato é que elas estavam lá, e passaram a submeter os estancieiros brasileiros a todo tipo de impostos, taxas, proibições, expropriações de gado e embargos de estâncias, quando não violências e assassinatos [1]José Antônio Pimenta Bueno, que era o Presidente da Província, em ofício datado de 02-09-1850 ao ministro dos negócios estrangeiros do Império, escreveu:


Talvez não haja, nos tempos da civilização moderna, exemplo de um tratamento igual, ou tão violento e bárbaro, para com súditos de um país neutro, como o que as forças do general Oribe têm posto em prática contra os brasileiros. À vista destes esclarecimentos V. Exª. reconhecerá a suprema razão com que os rio-grandenses clamam pela proteção de seu governo.


Jerônimo Jacintho Pereira, por exemplo, que tinha 10 léguas de campo em Corrales, povoadas com 10.000 cabeças de gado, teve sua estância sumariamente desapropriada por Oribe, que em seguida a doou para seu oficial Diogo Lamas [5].


Em vista desses abusos, todos os estancieiros de Corrales abandonaram seus campos já em 1843 [2]. Matheus Teixeira Brasil e os irmãos Collares voltaram para as Palmas.


A Guerra dos Farrapos, porém, ainda não tinha acabado, e pior, os farroupilhas estavam fazendo com a Estância das Palmas exatamente o mesmo que os blancos com as estâncias dos brasileiros no Uruguai. Desde janeiro de 1839, quando mudaram a capital da República Riograndense para Caçapava do Sul, os farroupilhas passaram a usar a Estância das Palmas como entreposto de abastecimento e “Paradeiro de Correios desta Capital”. Severino, que havia regressado de Mostardas em 1838 (um ano após a morte da mulher), foi preso em dezembro de 1840 por exigir indenização pelos cavalos que os farroupilhas lhe levaram da estância, e também pelos escravos que igualmente lhe tomaram e obrigaram a alistar-se no Corpo de Lanceiros Negros [3].


A tradição familiar conta que os farroupilhas conduziram Severino preso para Caçapava montado num burro, o que, sendo ele já velho e gordo, abalou sua saúde. A história não foi exatamente assim, mas, de fato, quando saiu da prisão, Severino voltou para Mostardas doente, vindo a falecer em 1842. Morreu “de hidropsia geral”, provavelmente decorrente de insuficiência renal ou cardíaca, o que explicaria a imagem de gordo guardada pela tradição oral [4].


Quando os farroupilhas compreenderam que iam perder a guerra, alguns decidiram que, pelo menos, não sairiam de mãos vazias.


Em outubro de 1844, o coronel farroupilha Ismael Soares da Silva despachou, de Bagé para Pelotas, uma tropa de 442 novilhos e 11 vacas conduzida por um tal Anaureliano Garcia, para vender na charqueada de Antônio de Castro Antiqueira.


Todos esses novilhos e vacas tinham sido roubados das estâncias abandonadas de Corrales e Queguay-Chico, e levavam as marcas de seus legítimos donos. A composição dessa tropa era a seguinte:


• 110 novilhos e 1 vaca de Leonardo José Collares;

• 95 novilhos e 4 vacas de José Luís Collares;

• 13 novilhos e 1 vaca de Santos de Oliveira Pinto (agregado de José Luís Collares [5]);

• 34 novilhos e 1 vaca de Matheus Teixeira Brasil;

• 13 novilhos de Antônio Silveira (sua estância de cerca de 3 léguas ficava na confluência do Rio Queguay-Chico com o Rio Queguay, dividindo a leste com José Joaquim da Silveira [6]);

• 27 novilhos de José Joaquim da Silveira (tinha 4 léguas de campo no mesmo rincão entre o Queguay-Grande e o Queguay-Chico, tendo a oeste Antônio Silveira e a leste Felisberto Pereira Prates);

• 101 novilhos e 4 vacas de Felisberto Pereira Prates (sua estância de 8 léguas dividia a leste com as de Matheus Teixeira Brasil e José Luís Collares) [7];

• 4 novilhos de José Francisco Pereira (também lindeiro de Matheus Teixeira Brasil, tinha 1 légua de campo ao norte de Felisberto Pereira Prates);

• 7 novilhos do Tenente-Coronel Aníbal Antunes Maciel (tinha 16 léguas de campo no Departamento de Salto, logo ao norte da Coxilha do Arbolito, vizinhas a Corrales);

• os restantes novilhos pertenciam a uns tais Manoel Machado (13 novilhos), Januário (10 novilhos), Manoel Dias (4 novilhos), Antônio Ferreira de Souza (8 novilhos), João de Braga (1 novilho) e Malaquias de Borba (2 novilhos).


Leonardo José Collares, Aníbal Antunes Maciel e Santos de Oliveira Pinto saíram a cavalo em perseguição do tropeiro, acompanhados por um oficial de justiça. Prenderam-no a 1 légua e meia de Pelotas no dia 27-10-1844. A tropa foi encerrada na mangueira da charqueada do comendador Boaventura Rodrigues Barcellos.


Leonardo, Santos e Aníbal reclamaram a devolução do seu gado. Os restantes 312 novilhos e 9 vacas foram levados a leilão e arrematados em 30-10-1844 por José Rodrigues da Silva Candiota, que pagou 18 mil réis por cada novilho e 11 mil réis por cada vaca, totalizando Rs. 5:715$000.


No dia seguinte, Leonardo recebeu de volta seus 110 novilhos e 1 vaca, e Santos de Oliveira Pinto seus 13 novilhos e 1 vaca. Aníbal Antunes Maciel retirou seus 7 novilhos em 21-11-1844.


As restantes vítimas do roubo começaram a ser indenizadas em dinheiro. Em 04-12-1844, José Luís Collares recebeu Rs. 1:754$000. Chegaram a receber suas indenizações, também, José Francisco Pereira, José Joaquim da Silveira e Antônio Ferreira de Souza.


Quem não foi reclamar seu dinheiro até 04-12-1844 ficou a ver navios, porque o Barão de Caxias, então Presidente da Província, mandou que todo o dinheiro que ainda houvesse na Coletoria fosse entregue a Ismael Soares da Silva, e mandou, também, que este fosse indenizado por Leonardo José Collares e as demais vítimas, “pelas despesas feitas na condução da tropa”.


Assim, em 07-12-1844, Ismael Soares recebeu Rs. 3:120$000, todo o dinheiro que restava na Coletoria, que deixou de ser entregue aos donos dos animais roubados. E o inquérito foi arquivado [8].


Foi isso mesmo que aconteceu: Caxias, de um canetaço, transformou o acusado em acusador, mandando as vítimas pagarem pelo gado que o farroupilha “perdeu” ao ser pego pela polícia e, ainda por cima, pagarem pelas despesas da tropa roubada. Era como se tudo o que o delegado de polícia havia feito até então estivesse errado, tivesse sido uma arbitrariedade. Por isso o delegado tratou de entregar logo todo o dinheiro para Ismael Soares e arquivou o inquérito.


Acontece que a Guerra dos Farrapos estava no fim, as negociações de paz já estavam em andamento, e Caxias queria conquistar a simpatia dos farrapos. Fez, então, essa gentileza a Ismael Soares.


Como se vê, naquela época, quem teimava em se apresentar como cidadão brasileiro era vítima de abusos de autoridade não só no Uruguai como na própria pátria, não importando se quem estava no poder era um uruguaio xenófobo, um brasileiro separatista ou o mais valoroso barão que o Império do Brasil  produziu em toda a História.


Apesar de todas essas dificuldades tremendas, os Collares e Brasil sempre mantiveram um patriotismo inabalável. Severino Teixeira Brasil, pouco menos de um mês antes de morrer, ao escrever seu testamento, de próprio punho, em plena “República Riograndense”, fez questão de começar declarando ser “cidadão brasileiro, honra de que muito me prezo” [9]. Mesmo em 1913, Alzira Collares, quando seu marido a levou para viver na Estância do Cerro, em Corrales, aceitou com uma única condição: que os filhos que ainda viesse a ter fossem brasileiros. Assim, veio para Bagé para ter o já citado Tomazito (*16-08-1914) e Severino (*26-03-1919), os dois últimos de seus 9 filhos.


A Guerra Grande acabou no Uruguai em 1851, quando Oribe se rendeu diante da coalizão formada pelo Brasil, o governo uruguaio sitiado em Montevidéu e o general Urquiza, governador de Entre-Rios. Na Argentina, acabou em 03-02-1852, na batalha de Monte Caseros (ou Batalla de Morón), quando o federal Rosas foi completamente derrotado pela mesma coalizão. Essa campanha militar de 1851-1852 foi chamada Guerra contra Oribe e Rosas.


Nessa batalha de Monte Caseros lutou, como soldado, um filho de Leonardo José Collares, também chamado Leonardo José Collares, que se tornou conhecido na família pelo apelido Coronel Naduca. Naduca lutou depois na Guerra do Paraguai no posto de Major (da Guarda Nacional) e na Revolução de 1893 no posto de Tenente-Coronel. No Museu Dom Diogo de Souza, em Bagé, se conservam a medalha que ganhou em Monte Caseros e os binóculos que usou na Guerra do Paraguai.


Com o fim da Guerra Grande, o Uruguai formou um governo chamado de fusión, unindo blancos e colorados, para tentar pôr fim à velha rivalidade entre os partidos e às frequentes revoluções. Porém, além de não dar certo, isso não alterou em nada a dramática situação dos brasileiros. Continuaram as prisões, torturas, assassinatos, expropriações de gado e de cavalos, assaltos a residências etc. E continuaram as reclamações dos brasileiros ao governo imperial, e os pedidos de providências deste ao governo do Uruguai, que pouco ou nada fazia.


A situação se tornou de tal modo desesperadora que, quando o general colorado Venâncio Flores deflagrou a revolução conhecida como Cruzada Libertadora em abril de 1863, nada menos que 2.000 brasileiros se juntaram a ele. Em princípios de 1864, o general brasileiro Antônio de Souza Netto, residente em Paysandú, viajou até o Rio de Janeiro para pedir pessoalmente providências ao Imperador. No dia 5 de abril de 1864, o deputado Ferreira da Veiga pronunciou forte discurso sobre “as violências, roubos e perseguições cometidas no Estado Oriental pelas autoridades civis e militares da República, contra as pessoas e propriedades de súditos brasileiros ali residentes”. Seguem alguns trechos:


(...) a vinda do general Antônio de Souza Netto a esta corte não foi a vinda de um simples cidadão; o distinto e bravo general, representando cerca de 40.000 brasileiros residentes do Estado Oriental do Uruguai, constituindo-se órgão de suas queixas, eco de seus gemidos, veio em nome deles representar ao governo imperial contra as violências e atentados de que são vítimas (...).


Sr. Presidente, é fora de dúvida que cerca de 2.000 brasileiros se acham em armas no Estado Oriental do Uruguai, sob o mando do general Flores; não pense, porém, V. Ex., que eles foram levados a esse ato de desespero, ou de coragem, porque o partido colorado seja aquele que menos hostil se mostra para com o Império; não, como já disse, foi a necessidade de defender a vida, a honra e a propriedade que levou esses nossos concidadãos a esse ato extremo. Eles foram arrastados a tomar tão audaz e arriscada deliberação, porque, com razão, pouco ou nada deviam esperar das reclamações feitas por intermédio dos nossos agentes diplomáticos, as quais têm sido sem nenhum resultado até hoje, e, pois, resolveram apelar para o campo de batalha, preferindo morrer aí a serem assassinados em suas próprias casas, depois de roubados, depois de profanada a honra de suas famílias.


Eu sei, Sr. Presidente, que o general Netto é um daqueles que mais tem sofrido em sua propriedade; sei que depois de sua partida para esta corte, foram acometidas algumas de suas estâncias, e delas roubados mais de 1.500 cavalos, e grande quantidade de gado, a maior parte do qual era deixado morto pelas estradas, tirando-se-lhe apenas as línguas. (...) Essas violências, Sr. presidente, no Estado Oriental são quase todas cometidas pelos agentes oficiais, são cometidas pelo exército da República; às forças da legalidade se atribui a morte de muitos brasileiros, que são encontrados decapitados pelas estradas, pelos campos, trazendo alguns deles por escárnio na boca o título de sua nacionalidade.


Em Paysandú acaba de declinar a honra de ser nosso vice-cônsul naquele departamento o digno Sr. Carneiro de Campos, declarando que não podia continuar naquele cargo, porque não tinha coragem para presenciar as humilhações, as ofensas, os ultrajes feitos a nossos patrícios [10].


No final de 1864, finalmente o governo brasileiro decidiu apoiar a revolução de Flores, que terminou vitoriosa em fevereiro de 1865, com a tomada de Montevidéu.


Pouco antes, em 2 de janeiro de 1865, houve a tomada de Paysandú. Sobre esse episódio, seria preciso escrever um capítulo inteiro. Vamos, porém, dizer apenas duas coisas. Primeiro, que, entre os valorosos defensores de Paysandú, havia vários cidadãos de origem brasileira, inclusive um dos chefes, Lucas Píriz (em português se escreve Pires). Aliás, antes dele Paysandú já contara com outro bravo defensor brasileiro, Francisco Bicudo. (O Barão do Rio Branco morreu sem compreender por que sempre houve tantos bravos brasileiros defendendo o Uruguai, desde 1811 - e, se nem mesmo Rio Branco conseguiu entender isso, quem somos nós para explicá-lo!...). Em segundo lugar, não há como não destacar o gesto profundamente patriótico do chefe maior da resistência de Paysandú em 1865, o heróico coronel Leandro Gómez, que, ao render-se aos brasileiros, não aceitou ser prisioneiro desta raça que ele tanto odiava, e exigiu ser prisioneiro do exército de seu país. Respeitosamente, os brasileiros atenderam esse pedido assim tão nobre, confiando Leandro Gómez aos cuidados das forças de Venâncio Flores - que imediatamente o fuzilaram sem nenhuma honra ou cerimônia. Leandro Gómez, esse valoroso oficial uruguaio, preferiu ser miseravelmente assassinado pelos seus amados compatriotas a passar alguns anos no Rio de Janeiro: talvez não tenha havido, em toda a História do Uruguai, prova maior de amor à pátria.


Foi somente a partir de 1865 que os brasileiros residentes no Uruguai passaram a ser tratados da mesma forma como os argentinos, espanhóis, franceses, ingleses e demais estrangeiros, que constituíam dois terços da população uruguaia.


Em 1866, Francisco José Collares fixou residência na Coxilha Negra [11], sobre a linha de fronteira entre Brasil e Uruguai, e foi o primeiro Collares a ter filhos nascidos no Uruguai (trinta anos antes dos demais) [12]. Dedicou-se ao ofício de tropeiro, reunindo gado das estâncias das Palmas para revendê-los a Thomaz José Collares e a outros estancieiros de Corrales de Paysandú, para repovoar aqueles campos. Deixou um precioso livro no qual registrou essas tropas de gado, que passou de pai para filho até chegar a mim, que o doei para o Museu Dom Diogo de Souza, em Bagé.


Era um ofício arriscado, pois a campanha ainda continuava à mercê de bandos de assaltantes e de tropas de revolucionários.


Os crimes na campanha, assim como os desmandos dos chefes políticos, continuaram ainda por mais de dez anos, por causa da fragilidade dos governos que se sucederam até a ascensão de Lorenzo Latorre (1876-1880), que, investido de poderes ditatoriais, finalmente “limpió y puso orden”  [13] no país.


O Uruguai só se tornou um país minimamente organizado a partir do governo de Latorre. E, graças aos dois bons governos que se lhe seguiram, deu um salto surpreendente, passando a ser considerado a Suíça da América.


Por isso que os Collares, Brasil e Pereira somente levaram as famílias para viver no Uruguai depois de 1880, e passaram a registrar seus filhos como cidadãos uruguaios (o registro civil foi instituído por Latorre em 1879) [14].


É por isso que nossos parentes do Uruguai não guardam memória dos Collares mais antigos.


[1] Relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros (Rio de Janeiro, Typographia Universal de Laemmert, 1851), Anexo A (Negócios do Rio da Prata), págs. 36-73. A citação seguinte está na pág. 45.

[2] Relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros de 1851, Anexo A, pág. 58.

[3] Pioneiros Açorianos, págs. 126-128. Os Lanceiros Negros eram corpos de cavalaria constituídos por escravos que os farroupilhas empregavam para fazer a vanguarda em todas as batalhas, ou seja, para servirem de “bucha de canhão”. No final da guerra, os farroupilhas desarmaram os que restaram e deixaram-nos ser completamente dizimados na famigerada “Surpresa de Porongos”. Aliás, Rivera logo copiou essa bela ideia dos seus aliados farroupilhas, decretando a abolição da escravatura no Uruguai em 1843, mas só para os negros homens que concordassem em se alistar em seu exército: mulheres, velhos e inválidos continuaram escravos, embora tenham passado a ser chamados não de escravos, mas de “colonos”.

[4] Pioneiros Açorianos, pág. 129.

[5] Relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros de 1851, Anexo A, pág. 58.

[6] Idem, ibidem.

[7] Felisberto abandonou sua estância em 1843 e morreu louco em Paysandú pouco depois de 1850 (idem, ibidem).

[8] Arquivo Público de Porto Alegre. Cartório do Cível e Crime de Pelotas, processo n 87, estante 3-A, maço 7, ano 1844. Autor: Leonardo José Collares.

[9] Pioneiros Açorianos, pág. 129.

[10] COSTA, Francisco Félix Pereira da. História da Guerra do Brasil contra as Repúblicas do Uruguay e Paraguay: Rio de Janeiro, Livraria de A. G. Guimarães & Cia., 1870, Vol. 1, págs. 106-110.

[11] Começa a poucos quilômetros a oeste de Santana do Livramento, no Brasil, e de Rivera, no Uruguai.

[12] Os descendentes de Francisco José Collares no Brasil sempre contaram que seus antepassados vieram do Uruguai. Consideram-se descendentes de uruguaios.

[13] Pereira Henderson, op. cit., pág. 11.

[14] Uma história que até hoje se ouve é que os Collares registravam seus filhos no Uruguai e levavam-nos para batizar no Brasil, garantindo, assim, a dupla cidadania (pois o Brasil só teve registro civil a partir da Constituição republicana de 1891). Essa história, porém, somente poderia ser verdadeira com relação ao curto período entre 1879 e 1891.


6. O ano de 1880, início de uma nova era

Em 1880 houve, também, uma mudança radical no modo como os Collares ganhavam dinheiro.


Desde 1800, o grande negócio dos Collares, dos Brasil e dos Pereira era produzir, domar e vender mulas. A mula valia muito mais que o boi. O melhor negócio no Rio Grande do Sul era "exportar" tropas de mulas para Sorocaba (SP), de onde eram levadas para o trabalho nas fazendas de café de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. O café era transportado das fazendas para os portos no lombo de mulas (cada mula carregava 120 kg de café).


A partir de 1860, porém, o governo começou a construir estradas de melhor qualidade, que permitiam o tráfego de carros puxados por cavalos e bois, e, nos anos 1870, apareceram as ferrovias, que acabaram de vez com o transporte por mulas.


Justamente em 1880, o preço da mula chegou ao fundo do poço. Foi o fim do negócio ao qual os Collares e os Brasil se haviam dedicado por três gerações.


Coincidiu, portanto, que, precisamente em 1880, os campos do Uruguai ficaram completamente livres de ladrões e de chefetes xenófobos, e assim os Collares puderam ganhar, com o gado bovino, o dinheiro que tinham deixado de ganhar com as mulas.


Os campos em Corrales eram muito superiores, tanto em extensão como em qualidade, aos campos nas Palmas (na maior parte do Uruguai, uma vaca chega aos 400 kg somente comendo pasto natural). Se tivesse sido possível produzir mulas ali, teria sido um lucro fabuloso, pois a mula uruguaia ou argentina valia mais que a produzida no Brasil. Porém isso não foi possível, porque a produção de mulas exigia uma estrutura que não era possível manter no Uruguai naquele tempo. Por isso os Collares tiveram de se contentar em produzir mulas nas Palmas.


Como veremos no próximo capítulo, Leonardo José Collares, falecido em 1858, que foi o que possuiu mais campos em Corrales, morou e criou suas mulas nas Palmas, deixando os campos de Corrales aos cuidados de seu genro Chico Rengo, que tinha autorização para marcar todo o gado xucro que ali encontrasse, e explorar os campos do modo como lhe fosse possível.


O ano de 1880 marca, pois, o início de uma nova era da história dos Collares.


E logo em 1889, quando o negócio de gado recém havia engrenado, veio o golpe que instaurou a república no Brasil, e que marcou o início da participação dos Collares (que sempre foram do Partido Conservador) nos levantes e revoluções do período 1890-1930.


O azar foi termos perdido todas as revoluções...


7. Inventários de José Luís Collares e de Leonardo José Collares

Leonardo José Collares morreu em 23-04-1858 e José Luís Collares em 11-04-1859, ambos nas Palmas.


Foram várias mortes em sequência. Em 10-09-1859, portanto cinco meses depois da morte de José Luís Collares, morreu sua mulher Luciana. A irmã de Luciana, Firmiana, casada com Mateus Teixeira Brasil, morreu dez meses depois, em 01-07-1860, e, 23 dias depois, morreu o pai das duas, Laurindo Teixeira Brasil (que já era viúvo, e tinha só essas duas filhas).


Em 1859 foi aberto o inventário de Leonardo José Collares, onde constaram[1]:


Nas Palmas:

• 1 légua de sesmaria de campo (50 quadras de sesmaria ou 4.356 hectares) “no Rincão das Palmas”, com casa de paredes de pedra e coberta de telha, forrada, galpão e cozinha de telha, mangueiras e cercados de pedra, 200 pés de laranjeira.

• 3.500 reses de criar; 200 cavalos em bom e mau estado; 300 animais cavalares de criar; 200 ovelhas; 16 mulas de ano; 2 burros; 20 bois mansos.


Em Corrales:

• 13 sortes de campos (300 quadras de sesmaria ou 26.136 hectares) “no Estado Oriental do Uruguai, no lugar denominado Queguay”.


Das 13 sortes de campo deixadas por Leonardo,  4 ½ ficavam entre os arroios Quegay-Chico e Corrales, ao sul das outras  4 ½ sortes pertencentes a José Luís Collares, ambas adquiridas em 1836. Esses campos foram vendidos em 1879 ou pouco antes para herdeiros de Mateus Teixeira Brasil. As restantes  8 ½ sortes de Leonardo ficavam a leste do Arroio Corrales, tendo sido adquiridas em 1838. A maior parte dessas  8 ½ sortes (200 quadras de sesmaria) ficou com três filhos: Leonardo ao  norte, Maria Collares Mesquita ao centro e Thomás ao sul (Estância Corrales).


Note-se que Leonardo não tinha casa em Corrales, nem declarou lá possuir gado. Talvez isso tenha algo a ver com a tradição guardada pela família, segundo a qual Leonardo deixou seus campos em Corrales aos cuidados de seu primo-irmão de Mostardas e genro Francisco José da Silva, o Chico Rengo, marido de Gertrudes, que foi o tronco dos Collares da Silva. No inventário de Chico Rengo, não consta nenhum campo em Corrales; no entanto, lá ele deixou uma casa de zinco, outra pequena de torrão, uma mangueira de pedra, 2 currais, 1.550 reses de criar, 368 ovelhas e numerosos outros semoventes[2].


Em 1860 foi aberto o inventário do casal José Luís Collares e Luciana Maria da Conceição[3], onde constaram, entre outros, os seguintes bens:


Nas Palmas:

• 1 quarto e meio de légua de sesmaria de campo (18,75 quadras ou 1.634 hectares) na Fazenda das Palmas, na costa do Rio Camaquã, com casas de moradia, galpão, cozinha, cercado e currais, “tudo em mau estado”.

• 400 reses de criar, mansas e xucras; 30 bois mansos; 190 ovelhas; 46 cavalos mansos; 67 éguas xucras.


Em Corrales:

• 4 ½ sortes de campo (100 quadras de sesmaria ou 8.712 hectares) “entre Queguay e Corrais, no Deptº de Sandú”, com casa, cozinha e galpão de pau-a-pique e cobertura de palha.

• 500 reses de criar, xucras; 45 cavalos mansos; 60 éguas xucras.


Já se vê que José Luís deixou herança bem mais modesta do que seu irmão. O campo que deixou nas Palmas foi o que recebeu de herança da sogra Francisca Maria de Souza. Não chegou a herdar do sogro, pois morreu um ano antes que ele.


Os herdeiros de José Luís venderam as quatro suertes de estancia em Corrales para descendentes de Mateus Teixeira Brasil em 1879 ou pouco antes. O mesmo fizeram os descendentes de Leonardo José Collares com as quatro suertes existentes na mesma área. Essas oito suertes eram as mesmas que foram adquiridas em 1836 juntamente com outras oito suertes de Mateus Teixeira Brasil. O mapa das oito suertes  de José Luís e de Leonardo, de dezembro de 1879, está arquivado no Ministério de Obras Públicas do Uruguai. Eram campos que limitavam, ao norte, com o Cerro Arbolito, lugar de onde partem as nascentes do Arroio Queguay-Chico, que dali corre na direção sudoeste, e do Arroio Corrales, que dali corre na direção sul. Esses campos se limitavam a oeste e a leste pelos citados arroios, portanto tinham forma triangular. As quatro suertes de José Luís Collares ficavam na ponta norte do triângulo e as de Leonardo ao sul, na base do triângulo. Eram divididas por uma linha reta traçada no sentido noroeste-sudeste que seguia aproximadamente o curso inferior do Arroio Pantanoso.


PRÓXIMOS CAPÍTULOS:

8. Participação dos Collares nos levantes e revoluções de 1891 a 1930

9. Anedotas de Collares


[1] Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (APERGS): Bagé, 1º Cartório de Órfãos, processo nº 158, maço 7, estante 38, ano 1859.[2] APERGS: Bagé, 1º Cartório de Órfãos, processo nº 423, maço 20, estante 38, ano 1879.[3] APERGS: Bagé, 1º Cartório de Órfãos, processo nº 167, maço 7, estante 38, ano 1860.