Os Collares
de Bagé
Jayme Collares Neto
Última atualização: 07/12/2020
Obs.: a maior parte do conteúdo desta aba foi reproduzida nos capítulos 1, 3, 4 e 7 do meu livro Histórias Antigas de Mostardas, publicado em 18-09-2017 em Porto Alegre. Esse livro está à venda em Porto Alegre, Pelotas, Rio Grande, Bagé e Mostardas, e pode também ser adquirido no site da Livraria Cultura.
1. Primeiras descobertas
Quando comecei a me interessar pela história dos nossos antepassados, em 1990, uma das primeiras coisas que me despertaram a curiosidade foi o fato de que a tradição oral de nossa família não guardara praticamente nenhuma recordação da figura do Primeiro Collares. Tudo o que se contava é que ele tinha vindo da Vila de Colares, que fica perto de Lisboa, em Portugal. Afora isso, havia a lenda de que ele teria vindo acompanhado de um irmão, que teria ido "para o norte"...
A notícia de que o Primeiro Collares viera da Vila de Colares tinha acabado de ser confirmada pelo emérito genealogista rio-grandino Carlos Grandmasson Rheingantz, fundador do Colégio Brasileiro de Genealogia, em seu precioso trabalho Famílias Primeiras de Bagé (1).
Nessa obra, Rheingantz informava que o Primeiro Collares se chamava José Luís Colares, e que era natural da Vila de Colares, em Portugal, filho de José Luís e de Francisca Maria. Entretanto, estimava que o nascimento tivesse ocorrido cerca de 1760, e o falecimento cerca de 1830, datas que, conforme mais tarde vim a descobrir, estavam bem longe das verdadeiras.
Em princípios de 1991, escrevi para a Torre do Tombo, em Portugal, pedindo que localizassem o registro de batismo de José Luís Collares, e, por equívoco, informei para eles que esse batismo deveria ter acontecido por volta de 1740. É que naquela época eu não tinha em meu poder a árvore genealógica de Rheingantz, que eu só havia lido uma vez, na casa do Sr. Cândido Pires de Oliveira; de forma que, na hora de escrever a carta, minha memória me traiu, fazendo-me confundir a data que Rheingantz estimara como sendo a do nascimento de José Luís Colares, cerca de 1760, com a data que estimara para o nascimento de Matheus Teixeira Brasil, cerca de 1740.
Em carta muito atenciosa, datada de 15-05-1991 e assinada pela Sr.ª Maria Manuela Nunes, a Torre informou o seguinte:
Foi investigado o livro 9 de baptismos da freguesia de Colares, período compreendido entre 1735-1759 não tendo sido encontrado o assento de baptismo de José Luis Colares. No ano de 1740, folha 35 verso encontra-se o assento de baptismo de JOAQUIM - filho de MANUEL NUNES COLARES, natural da freguesia de S. Nicolau (da cidade de Lisboa) e de TERESA MARIA DOS SANTOS, natural da freguesia de Nossa Senhora dos Mártires e moradores na Rua dos Douradores na cidade de Lisboa. Foi baptizado por: Padre JOSÉ NUNES COLARES.
No livro 4 de casamentos (1714-1752) da freguesia de Colares, no ano de 1736, folha 53 verso pela 1.ª vez há referência ao apelido Colares, no assento de casamento de PEDRO NUNES COLARES com MARIA PEREIRA. Era necessário uma investigação demorada o que não é possível fazer devido ao pequeno número de funcionários que possuímos.
A informação da Torre do Tombo indicava que existia, na Vila de Colares, na mesma época do nascimento de nosso antepassado, uma família Nunes Colares, aliás surgida ali havia pouco tempo (2). E indicava, também, que o nosso antepassado não pertencia a essa família.
A carta informava também o endereço da Associação Portuguesa de Genealogia (3), para a qual me apressei a escrever. Como, porém, a Associação demorava a responder-me, em 02-04-1993 resolvi escrever outra vez para a Torre do Tombo. Só que, desta vez, pedi para que procurassem pelo batismo não de José Luís Collares, mas apenas de José Luís, isto é, sem o Collares. A resposta não tardou, vindo datada de 12 de julho daquele ano, com três valiosas informações:
1 - Foi localizado o assento de baptismo de JOSÉ LUÍS, filho de José Luís e de sua mulher Francisca Maria, baptizado a 20 de março de 1751, na freguesia de Colares.
2 - Foi igualmente localizado o assento de casamento de seus pais JOSÉ LUÍS com FRANCISCA MARIA ocorrido a 22 de Novembro de 1747.
3 - O preço da pesquisa agora efectuada é de 20 000$00 (vinte mil escudos), que deverá ser liquidado por cheque endossado aos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo...
Como o leitor pode ver, a informação n.º 3 também tinha seu valor...
Pouco antes disso, em fevereiro de 1993, quando me encontrava de férias na Praia do Cassino, eu havia dado um pulo à sede do Bispado de Rio Grande para conferir as informações de Rheingantz sobre o casamento de José Luís Colares e o nascimento dos seus três filhos. Porém, naquela oportunidade os livros não me foram franqueados, tendo-me cordialmente explicado o Sr. Giuseppe Finotto, Chanceler do Bispado, que os livros eram muito antigos, e que seu estado de conservação não permitia que fossem manuseados.
De volta a Bagé, e não conseguindo conformar-me com não poder verificar se as indicações de Rheingantz eram realmente exatas, resolvi escrever ao próprio Bispo, pedindo uma permissão especial, e prometendo que tomaria o máximo cuidado para não danificar os livros. A resposta veio no dia 15-04-1993, assinada pelo Sr. Finotto, comunicando-me que "excepcionalmente, Dom José Mário concedeu-lhe licença de pesquisar nos livros deste Arquivo da Cúria, recomendando o máximo cuidado no manuseio".
Só consegui viajar a Rio Grande no dia 06-08-1993. Foi então que copiei o registro do casamento de José Luís Colares com Anna Ignácia de Jesus, ocorrido em Mostardas em 20-07-1788, bem como os batizados dos seus três filhos, entre 1790 e 1794, registros esses que encontrei com certa facilidade, pois as datas registradas por Rheingantz estavam mesmo corretas. Ainda tive tempo para tomar o Livro n.º 1 de Óbitos e vasculhá-lo de ponta a ponta. Não descobri os registros dos falecimentos nem de Anna Ignácia de Jesus nem de sua mãe, Maria Ignácia de Jesus, os quais aliás nunca encontrei, embora tenha procurado todas as vezes que voltei ao Bispado. Mas encontrei o do falecimento de nosso antepassado Matheus de Souza, pai de Anna Ignácia, ocorrido em 05-03-1794, e, para minha maior emoção e surpresa, o de José Luís Colares, que então descobri ter morrido em 24-08-1795, ou seja, quando o filho mais velho tinha apenas cinco anos de idade.
Eu havia acabado de fazer uma descoberta importantíssima: a razão pela qual a tradição oral de nossa família quase nada conservara da memória do Primeiro Collares!... Agora tudo se aclarava: ele morrera cedo demais, deixando os filhos ainda muito pequenos.
Mas a emoção maior veio em janeiro de 1994, quando, aproveitando mais umas férias no Cassino, visitei pela segunda vez o arquivo do Bispado (4). Enquanto eu pesquisava o Livro n.° 1 de Batismos, pedi que a Cláudia, minha mulher, fosse vasculhando o Livro n.° 1 de Casamentos em busca de uma meia dúzia de nomes que eu anotara no rosto de um envelope de papel pardo. Bem, ela não encontrou nenhum daqueles nomes, mas deparou com algo mil vezes mais precioso do que isso: o autógrafo de José Luís Colares!
NOTAS
1 Esse trabalho, ao que parece começado em 1966 e concluído em 1983, pouco antes do falecimento do seu autor, começou a ser publicado em fascículos, título por título, a partir de 1992, por iniciativa do grande historiador bageense Tarcísio Costa Taborda. Com o trágico falecimento desse notável impulsionador da cultura regional, interrompeu-se o projeto, tendo chegado a ser publicados apenas três dos 31 títulos que compõem a dita obra. Permanecem inéditos os títulos referentes aos Brasil e aos Collares. Os manuscritos deixados pelo Dr. Carlos Rheingantz podem ser consultados no Museu Dom Diogo de Souza, em Bagé. Essa obra não está de todo livre de equívocos e omissões; por exemplo, Rheingantz, num caso, registrou como filho legítimo um que na verdade foi perfilhado; algumas vezes errou datas, outras nomes, outras ainda deixou de registrar um ou outro descendente. Isso acontece porque Rheingantz teve de se valer, muitas vezes, de depoimentos de parentes, mais do que de registros civis ou eclesiásticos, principalmente a partir da terceira geração. Apesar disso, eu diria que as informações relativas aos Brasil e Collares estão, pelo menos, 90% corretas. É uma obra do mais elevado valor; quem quiser saber se é descendente do Primeiro Collares deve, em primeiro lugar, ir ao Museu de Bagé e consultar os manuscritos; após isso, se quiser ter mesmo certeza, deve confirmar as indicações de Rheingantz por si mesmo, pesquisando no Bispado ou no Registro Civil de Bagé. Se não puder ir a Bagé, o leitor poderá extrair suas informações diretamente no fichário de Rheingantz, conservado no Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre.
2 Em uma carta que recebi da Câmara Municipal da cidade de Sintra, datada de 04-11-1993, o Sr. José Cardim Ribeiro, Chefe da Divisão de Cultura, me confirmou que "o apelido Collares existia já numa família oriunda e residente nessa Vila".
3 Nessa gentil missiva, a Torre me mandou uma pequena lista de endereços de pessoas de sobrenome Colares que moravam em Lisboa e nas proximidades de Colares. Escrevi, pelo final de 1991, para cinco dessas pessoas, somente obtendo atenciosa resposta do Sr. Mário Barbosa dos Reis Colares, de Lisboa, com quem cheguei a trocar mais uma ou duas cartas, após as quais convenci-me de que a única coisa que nossas famílias tinham em comum era o sobrenome.
4 Aproveito para registrar o meu profundo agradecimento ao Sr. Finotto, Secretário do Bispado de Rio Grande, assim como à funcionária Sr.ª Dulce, pela extrema atenção e amabilidade com que sempre me receberam em todas as 4 vezes que lá estive. Aproveito outrossim para avisar o leitor de que os livros n.° 1 de Batismos e o n.° 1 de Casamentos foram recentemente publicados pela pesquisadora e nossa prima distante Sr.ª Alda de Moraes Jacotet, de Pelotas, enriquecidos com algumas preciosas informações colhidas da tradição oral. Também devo aqui registrar meu depoimento pessoal de que as transcrições dessa autora são extremamente cuidadosas e fiéis aos originais, coisa muito rara de se ver nessa matéria.
Esse autógrafo acima reproduzido é a única relíquia até hoje encontrada do fundador da nossa família. Data de 9 de janeiro de 1791, e está no verso da folha de n.º 26 do Livro n.º 1 de Casamentos da Freguesia de São Luís de Mostardas, ao final do registro do casamento de um certo Joaquim Rodrigues da Silva com uma certa Luciana do Espírito Santo, cerimônia da qual o nosso antepassado foi testemunha.
Como vemos, José Luís assinava Colares com um "l" só. Quem começou a assinar Collares com dois "ll" foram os seus dois filhos homens, já lá pelo final da Guerra dos Farrapos. Mas isso é outra história...
Depois desse feliz janeiro de 1994, demorei mais de quatro anos para conseguir ter outras notícias do Primeiro Collares. E essas notícias me chegaram num momento em que eu já nada mais esperava.
Lembra-se ainda o leitor da carta que eu mandara para a Associação Portuguesa de Genealogia, ainda lá em 1991? Pois a resposta eu recebi somente quase sete anos depois, datada de 09-03-1998, e aliás só recebi graças ao saudoso Sr. Osvaldo, porteiro do edifício onde eu morava. Eu já me mudara de lá havia quatro anos ([i]), mas o bom Seu Osvaldo ainda se lembrou de quem eu era, e atinou de entregar a carta para a minha sogra, que entrementes havia-se mudado para aquele edifício.
Essa carta, aliás extremamente atenciosa, assinada pelo Sr. Manuel Metello, Secretário Geral, dizia o seguinte:
Em resposta à amável carta de V. Exª., que muito agradecemos, lamentamos informar que a nossa Associação não dispõe de serviços de investigação genealógica, dependendo para isso da disposição dos seus associados.
No entanto, não quisémos deixar de satisfazer a sua consulta e estivemos na Torre do Tombo, onde procurámos o casamento dos pais do seu antepassado José Luiz Collares. Encontrámos nos livros de Colares o casamento de um José Luís com uma Francisca Maria, mas sete anos depois do nascimento do filho. Não sabemos onde recolheu a informação sobre a data de nascimento do seu antepassado. Estará errada?
Sim, estava errada! Eu havia dado como data provável do nascimento 1740, pela razão que já expliquei. A carta prossegue:
O assento que vimos encontra-se a folhas 96 verso do Livro 4 de Casamentos (1714 - 1752) da freguesia de Colares, concelho de Sintra, patriarcado de Lisboa. O matrimónio tem a data de 22-11-1747 e foi celebrado pelo pároco Padre José Lopes Pereira, entre José Luís, baptizado na vila de Cascais, filho de Manuel Ramos e de Pelónia ([ii]) Luís, aí moradores, e Francisca Maria, baptizada na vila de Colares, e aí moradora no lugar de Ribeira do Valente ([iii]), filha de André Francisco e de Maria Josefa (já falecidos), sendo testemunhas do acto o Pe. Manuel Dias e António Gomes.
Consultando seguidamente o Livro 9 de Baptismos da mesma vila de Colares (1735 a 1759), encontrámos os baptismos de 2 filhos do casal, ambos nascidos na Ribeira do Valente. A primeira, que foi baptizada a 26-9-1748, pelo Coadjutor Padre Francisco Pereira da Cunha, com o nome de Teodora, sendo afilhada de António Nunes Torres, do lugar do Penedo. O segundo, que pensamos seja o seu antepassado, recebeu o nome de José no dia 20-3-1751 e foi baptizado pelo Pároco Manuel da Silveira Bernardes, tendo como padrinhos o Pe. Diogo Francisco Delgado (representado por Plácido Ramos) ([iv]) e Dionísia Teixeira, todos de Colares. Por este assento, parece poder deduzir-se que o seu antepassado foi o primeiro a usar o apelido Colares na sua família. Era prática relativamente corrente entre os migrantes, especialmente entre os comerciantes, a adopção do topónimo de origem como apelido, certamente para se distinguirem de seus homónimos. É o que parece ter acontecido com a família Nunes Colares, de quem lhe enviaram aquele registo da Torre do Tombo. Tanto quanto conseguimos apurar trata-se de uma família originária de Colares que se radicou em Lisboa, mantendo-se, no entanto, ligada à vila de origem, onde tinha casa e onde nasceram alguns dos seus membros. Parece-nos, porém, que é família distinta da sua, embora haja também nessa família uma Teodora.
Creio que não preciso comentar nada acerca dessas preciosas informações tão gentilmente repassadas pela Associação Portuguesa de Genealogia, na pessoa do Sr. Manuel Metello.
Não restava dúvida, portanto, que José Luís não nasceu Colares, mas adotou esse sobrenome quando veio para o Brasil ([v]), provavelmente por ser ou ter-se tornado comerciante.
A partir dessas descobertas, rascunhei (ainda em 1998), com satisfação indizível, o que era para ser o começo do primeiro capítulo da minha projetada História dos Primeiros Collares, texto que agora passo a reproduzir:
Fundação da Primeira Família Collares do Rio Grande do Sul
A primeira família Collares do Rio Grande do Sul foi fundada às quatro horas da tarde de um domingo, dia 20 de julho de 1788, na Igreja Matriz da freguesia de São Luís de Mostardas, um pequeno mas progessista vilarejo situado entre a Lagoa dos Patos e o Oceano Atlântico. Nesse dia e lugar, perante o vigário Antônio Pedro de Mesquita, se receberam em matrimônio o aventureiro português José Luís Colares, de 37 anos, natural da Vila de Colares, e a jovem Anna Ignácia de Jesus, de 15 anos, natural de Mostardas, filha mais velha de um casal de colonos açorianos.
O registro dessa cerimônia consta à folha 21 do Livro n.° 1 de Casamentos da Freguesia de Mostardas, relativo ao período de 1773 a 1863, conservado na sede do Bispado da cidade de Rio Grande. A seguir, apresento uma transcrição desse registro, na qual procurei preservar a maneira de escrever daquela época:
"Aos vinte dias do mês de Julho de mil setecentos e oitenta e oito, nesta Freguezia de São Luiz de Mostardas, em minha prezença e das testemunhas abaixo assignadas, pelas quatro horas da tarde, se receberam em matrimmonio, conforme manda o Ritual Romano, e as instituições do Bispado, com provisão do Reverendo Vigário da Vara o Doutor Pedro Pereira Fernandes de Mesquita, Jozé Luiz Colares filho legítimo de Jozé Luiz e de Francisca Maria, natural e batizado na Matriz de Nossa Senhora da Assumpção de Colares, Patriarcado de Lisboa, com Anna Ignacia de Jesus, filha legítima de Matheus de Souza e de Maria Ignacia, batizada nesta Freguezia de São Luiz de Mostardas, de que receberam logo as benções, e para constar fiz este assento que assigney. O Vig. Antônio Pedro de Mesquita - Agostinho Jozé de Lima - Miguel Antônio de Lima" ([vi]).
José Luís Colares e Anna Ignácia de Jesus tiveram apenas três filhos, todos nascidos em Mostardas, que foram:
1. José Luís Collares, nascido em 14 de fevereiro de 1790;
2. Leonardo José Collares, nascido em 7 de janeiro de 1792;
3. Gertrudes Maria Collares, nascida em 1° de fevereiro de 1794.
Os registros dos batismos dos filhos acima nomeados constam, respectivamente, às folhas 133, 156-verso e 175-verso do Livro n.° 1 de Batismos da Freguesia de Mostardas, período de 1773 a 1806. José Luís foi batizado em 12-03-1790, Leonardo em 22-01-1792 e Gertrudes em 11-02-1794.
A seguir, transcrevo o registro do batismo do primeiro filho do casal:
"Aos doze dias de Março de mil setecentos e noventa annos: nesta Matriz de São Luiz de Mostardas, batizei e puz os santos oleos = a Jozé = nascido aos quatorze dias de Fevereiro, filho legítimo de Jozé Luiz Colares, natural da Matriz de Nossa Senhora da Assumpção da Villa de Colares, Patriarcado de Lisboa, e de sua senhora Anna Maria Ignacia, natural desta Freguesia de São Luiz de Mostardas: avós paternos Jozé Luiz e Francisca Maria, naturaes da Villa de Colares; avós maternos, Matheus de Souza natural da Villa do Topo da Ilha de São Jorge Bispado de Angra, e sua mulher Maria Ignacia de Jesus, natural da Villa de São Pedro do Rio Grande. Foi padrinho Antônio Gomes de Carvalho, solteiro, que para constar fiz este termo e assigney. O Vig.º Jozé Joaquim Marianno."
Como se vê, José Luís teve por padrinho o Capitão Antônio Gomes de Carvalho ([vii]). Leonardo teve por padrinhos seus avós maternos Matheus de Souza e Maria Ignácia de Jesus. De Gertrudes foi padrinho o seu bisavô Estêvão de Souza, e madrinha sua tia materna Angélica Maria.
O falecimento de Matheus de Souza foi registrado na folha n.° 32 do Livro n.° 1 de Óbitos da Freguesia de Mostardas, onde se lê:
"Aos cinco dias do mês de Março de mil setecentos e noventa e quatro annos, nesta Matriz de São Luiz de Mostardas, faleceu da vida prezente com todos Sacramentos Matheus de Souza, casado com Maria Ignácia, de idade parecia ter cincoenta annos pouco mais ou menos, foi amortalhado em hábito Franciscano, sepultado dentro desta Matriz, fez testamento, e foi encomendado segundo o Rito Romano, que para constar fiz este termo. O Vig.° Jozé Joaq. Marianno."
Em 24 de agosto de 1795, aos 44 anos, morria José Luís Colares, conforme se vê na seguinte transcrição (folha 38 do Livro n.° 1 de Óbitos da Freguesia de Mostardas, período de 1778 a 1819):
"Aos vinte e quatro dias do mês de Agosto de mil setecentos e noventa e cinco annos, nesta Freguezia de São Luiz de Mostardas, faleceu da vida prezente com todos Sacramentos Jozé Luiz Colares: casado com Anna Ignacia de Jesus, tiveram filhos, não fez testamento, de idade parecia ter quarenta annos, foi enterrado dentro desta Matriz, amortalhado em hábito de São Francisco, acompanhado e encomendado segundo o Rito Romano, que para constar fiz este termo que assigney. O Vig.° Jozé Joaquim Marianno" ([viii]).
[i] O saudoso Sr. Osvaldo, falecido em 2000, foi por muitos anos o porteiro do turno da manhã no Edifício Amélia Kalil, em Bagé, onde morei com meus pais de agosto de 1987 a outubro de 1993, no apartamento 307. Em 1998 eu morava em Porto Alegre. Minha sogra se mudou para o Amélia Kalil em 1996.
[ii] Pelônia, conforme explicado na carta, é Apolônia.
[iii] Na carta o Sr. Manuel Metello informa que "já não existe este lugar na freg.ª de Colares. Ou mudou de nome, ou era um simples sítio ou casal, pois parece que lá habitava só esta família".
[iv] Acho que esse Plácido poderia ser o tio paterno de José Luís Colares.
[v] Foi por isso que nunca achei necessário pesquisar a história dos ascendentes de José Luís Colares, isto é, seus pais, avós etc., embora possa ser que se trate de uma história interessante. É que, para mim, foi só a partir do dia 20 de julho de 1788, quando José Luís Colares se casou com Anna Ignácia de Jesus, que passou a existir esta nossa Família Collares. Além do mais, acho que isso deve ser motivo de orgulho para nós, que podemos dizer que nossa família foi fundada no Rio Grande do Sul, é uma das poucas famílias que não vieram de fora, mas são autenticamente gaúchas. Isso, é claro, além de ser uma das famílias mais antigas daqui, e, como mais adiante eu provo, a primeira de todas as que mais tarde se fundaram com o mesmo nome Collares, e a única aqui do sul cujo antepassado veio efetivamente da Vila de Colares.
[vi] Nunca descobri de onde apareceram esses tais Limas, nem indicação nenhuma do destino que tiveram.
[vii] Era Capitão de milícias, conforme vim a descobrir por outros documentos. Antônio Gomes de Carvalho permaneceu solteiro a vida toda. Não sei se foi rico, mas tinha uma fazenda em Mostardas, fazenda essa que, por sua morte, foi herdada por uma filha que teve de uma de suas escravas.
[viii] Note o leitor que Matheus faleceu "nesta Matriz de São Luiz de Mostardas", enquanto que José Luís faleceu "nesta Freguezia de São Luiz de Mostardas". Ou seja, um morreu na vila, outro no campo. Teria sido por isso que José Luís foi "acompanhado e encomendado" e Matheus apenas "encomendado"?.... De todo modo, ambos foram enterrados "dentro desta Matriz", ou seja, na catacumba cavada sob o chão da igreja, como era costume na época. Em 1999, em minha primeira viagem a Mostardas, visitei essa catacumba. Informaram-me, porém, que os ossos e lápides ali conservados eram mais recentes, posteriores à Guerra do Paraguai, e que o pouco que restara dos sepultamentos mais antigos havia sido removido para o ossário do cemitério.
2. Circunstâncias da vinda de José Luís para o Brasil
Foi somente a partir de 1998, quando recebi a carta da Associação Portuguesa de Genealogia, que eu passei a considerar mais seriamente a hipótese de que José Luís Colares pudesse ter vindo para o Brasil como comerciante, a exemplo de tantos outros imigrantes portugueses. Foi por isso que, no texto acima reproduzido, classifiquei José Luís como aventureiro, que é como se chamavam, no Rio Grande do Sul daquela época, os forasteiros que não eram nem militares nem colonos dos Açores.
Até então, eu havia trabalhado durante anos com a hipótese de que José Luís Colares teria vindo para o Brasil como soldado de um dos três batalhões que o governo português para cá enviara em 1767, para expulsar os espanhóis da Vila de Rio Grande.
Embora eu nunca tenha conseguido encontrar uma prova cabal dessa hipótese, continuo a desconfiar que José Luís Colares para aqui tenha vindo como soldado. Acho que ele só se tornou comerciante depois que aqui já estava, e depois de ter conseguido dispensa do exército.
Pelo menos duas das pessoas que se relacionaram mais de perto com José Luís em Mostardas eram militares, como o capitão Antônio Gomes de Carvalho, que José Luís escolheu para padrinho do seu primeiro filho, e Manoel Fernandes[i], que em 1795 se casou com a sogra de José Luís, que viuvara um ano antes.
Mas o fato que desde o início eu considerei como a mais forte de todas as evidências foi que, tendo nascido em março de 1751, José Luís tinha 16 anos em 1767, e eu li que por essa época o Marquês de Pombal havia mandado recrutar, inclusive à força, jovens portugueses de 16 anos para cima, para combater os espanhóis aqui no sul do Brasil ([ii]). Outra evidência ainda era que, dos três batalhões enviados para cá, pelo menos dois foram organizados nas cidades de Moura e de Estremoz, situadas na mesma região de Beja, de onde tinha vindo um dos maiores amigos de José Luís em Mostardas, o sapateiro José Antônio Beja ([iii]), e Agostinho Gonçalves, outro amigo e compadre de José Luís. Da mesma região havia vindo também Manoel Fernandes, que era de Évora. Havia em Mostardas, também, um português natural de Santa Luzia das Pias, que fica na região de Moura: chamava-se Antônio Nunes Carmelo, e veio a se casar com uma irmã da mulher de Agostinho Gonçalves. Todos esses citados foram não apenas contemporâneos de José Luís, como tinham mais ou menos a mesma idade que ele.
Analisemos bem. Portugal precisava defender o Rio Grande contra os espanhóis, mas seu exército era pouco numeroso, e ademais se achava empenhado em muitas campanhas em várias outras partes do mundo. Diante disso, o Marquês de Pombal convocou jovens a partir de 16 anos, que mandou arrancar à força de suas residências, se fosse preciso. José Luís era então um jovem de 16 anos. Além disso, não tinha nenhum irmão mais velho que pudesse ser recrutado em lugar dele, e morava perto de Lisboa, isto é, perto de onde saiu a ordem. Depois da guerra, ele aparece em Mostardas, no sul do Brasil, juntamente com vários outros homens mais ou menos da mesma idade que ele, igualmente vindos de Portugal, da região na qual se organizaram batalhões. Convenhamos, não indica isso uma boa probabilidade de que José Luís tenha vindo para cá como soldado de um dos batalhões enviados por Pombal?
Se José Luís Collares veio com os batalhões, então ele chegou ao Rio de Janeiro no dia 5 de outubro de 1767 ([iv]) e ao Rio Grande do Sul em 1774, desembarcando em Laguna e descendo daí em marcha por terra até São José do Norte. Aí as tropas permaneceram dois anos acampadas em tendas de palha, até efetuarem o ataque e a reconquista da Vila do Rio Grande, na madrugada de 1° de abril de 1776 ([v]).
Porém não basta ter uma boa hipótese, é preciso prová-la, e olhe o leitor que eu tentei. Já em 02-04-1993 eu escrevia para a Biblioteca Rio-Grandense, de Rio Grande, perguntando se eles tinham alguma relação dos soldados portugueses que haviam tomado parte na Reconquista do Rio Grande, em 1776. Em 14-06-1993, responderam-me que não. Tratei então, em 21-06-1993, de endereçar a mesma pergunta para os Arquivos Militares de Portugal, em Viseu. Responderam-me em 15-03-1994 que "os Livros Mestres destes Regimentos não existem neste Arquivo, o que se justifica pelo facto de ser muito possível que tenham acompanhado as Unidades, quando foram transferidas para o Brasil". Tal possibilidade me pareceu tão óbvia que me fez imediatamente experimentar o desconforto de ter passado por burro. De todo modo, apressei-me a escrever para o Arquivo Militar daqui, no Rio de Janeiro, que todavia nunca me respondeu ([vi]).
[i] No Livro n.° 1 de Casamentos de Conceição do Arroio (atual Osório), consta o registro do casamento, realizado em 17-02-1800, de Maria Ignácia de Souza, filha de Joanna (irmã de Anna Ignácia de Jesus) e do seu marido, o sargento Mateus Machado Maciel, cerimônia da qual foi testemunha "o sargento Manuel Fernandes, assistente (morador) em Mostardas"...
[ii] Na Enciclopédia Riograndense (Livraria Sulina Editora, Porto Alegre, 1968) se lê que "Na Metrópole [Portugal] usaram-se processos monstruosos para recrutar novos soldados" (vol. I, pág. 177).
[iii] Digo que ele foi um dos maiores amigos de José Luís com base no fato de que nosso antepassado foi padrinho de dois de seus filhos.
[iv] Cf. a Enciclopédia Riograndense (Livraria Sulina Editora, Porto Alegre, 1968), vol. I, pág. 172.
[v] Cf. Cláudio Moreira Bento, A Guerra da Restauração do Rio Grande, conferência preferida no Instituo Histórico e Geográfico Brasileiro em 12-07-1976 e publicada nos Anais do Simpósio Comemorativo do Bicentenário da Restauração do Rio Grande, vol. II, pág. 542.
[vi] Acho que a única possibilidade de alguém vir um dia a comprovar que José Luís veio para o Brasil como soldado é procurar pelos Livros Mestres dos batalhões de Moura, Bragança, Estremoz e Chichorro, livros esses que, se ainda existem, é possível que estejam no Arquivo Militar, no Rio de Janeiro.
3. Vida de José Luís em Mostardas
A primeira prova que descobri da presença de José Luís Colares em território sul-riograndense remonta a março de 1783, quando ele aparece em Mostardas, na mesma oportunidade em que essa freguesia recebia, em festa, o "Muito Reverendo Senhor Doutor Visitador Vicente José da Gama Leal, com faculdade do Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor Dom José Joaquim Justiniano Mascarenhas Castelo Branco, Bispo do Rio de Janeiro", que ali vinha a fim de ministrar a crisma para a meninada local.
Essa primeira notícia é, precisamente, o registro de uma dessas cerimônias de confirmação, realizada no dia 23 de março de 1783, na qual José Luís Colares, que então acabava de completar 32 anos, qualificado como "solteiro, morador nesta freguesia", foi padrinho de crisma de várias crianças, a primeira delas o pequeno Sebastião, de seis anos, "filho natural de Nuno Roiz Palma, natural e baptizado na Freguesia de São José da Cidade do Rio de Janeiro e morador nesta" ([i]).
Essa foi a primeira crisma celebrada em Mostardas. Aliás, foi a primeira vez que a novel freguesia foi visitada por uma autoridade eclesiástica de tal importância. O Visitador demorou-se naquela região por uns 20 dias, tendo crismado 455 paroquianos (naturalmente, a maioria crianças) em cinco cerimônias, realizadas nos dias 19, 23, 25 e 30 de março e 6 de abril de 1783 ([ii]).
É preciso que se diga que esses visitadores que, de três em três anos, vinham ao Rio Grande do Sul, mandados pelo bispo do Rio de Janeiro, nem sempre eram tão reverendos assim. Em 1801, o governador militar, Sebastião Xavier Cabral Corrêa da Câmara, numa carta que escreveu para o rei de Portugal, falou sobre eles com as seguintes piedosas palavras:
"Com a posse do novo vigário geral ou bispo titular deste Continente, ficarão daqui banidos os escandalosos excessos de alguns visitadores que trienalmente nos são enviados pelo bispo do Rio de Janeiro, os quais (contra a vontade daquele pastor), convertendo as tenções apostólicas da visita em um torpe comércio lucrativo, tão longe ficam de virem desempenhar aqui o título de caritativos pais e zelosos pastores, que antes desempenham melhor o de carnívoros lobos, rapinadores de tudo quanto encontram, bem como acaba de fazer o visitador do ano de 1799, o qual, por fins da sua apostólica visita, se acha com um tal número de mil cruzados, que, equivalendo à compra de uma grande tropa de bestas muares e cavalares, saiu daqui a comerciar, que jamais poderá apagar-se na memória destes colonos.
Na guarda de Santo Antônio, sita ao norte da vila de Porto Alegre, cuja guarda serve de registro à cobrança dos direitos que ali pagam a Vossa Alteza as tropas que sobem para São Paulo, pode saber-se o grande número de bestas com que o visitador subiu a comerciar, e, pelos direitos que ali pagou, vir-se no conhecimento do grande número de mil cruzados que, a troco da visita episcopal, extraiu da nímia bondade destes povos, e não menos se podem também saber das avultadas somas que, por outra parte, o secretário da visita e o escrivão da mesma, o padre José Ignácio, da ilha de Santa Catarina, atraíram deste Continente, procurando aqui e ali letras, para irem perceber o seu cômputo no Rio de Janeiro.
Todos esses excessos que acabo de relatar a Vossa Alteza Real, e outros muitos de uma semelhante natureza, que, por vergonhosos, os deixava em silêncio, são aqueles que aqui vêm praticar os que ocupam o lugar de bispos; mas tudo isso ficará de uma vez evitado e corrigido, logo que Vossa Alteza Real destine para este Continente e departamento da Ilha de Santa Catarina um vigário geral ou bispo titular (...)." [iii]
A grande tentação, não só para os padres, mas para todos os que vinham ao Rio Grande do Sul, naquela época, era ganhar um bom dinheiro fazendo uma tropa de bestas muares e cavalares, isto é, fazendo uma boa tropa de mulas. O grande ministro da República Rio-Grandense Domingos José de Almeida, que era natural de Diamantina, cidade de Minas Gerais, confessou, numa carta, que tinha vindo para o Rio Grande do Sul "como forçado", e que não pretendia "habitá-lo mais do que o tempo preciso para fazer uma tropa de mulas e regressar" ([iv]).
Uma única tropa de mulas bastava para endireitar a vida de um homem!...
É de se notar que, se antes de 23 de março de 1783 não se acha notícia alguma da presença de José Luís em Mostardas, a partir dessa data essas notícias se multiplicam. Sem contar os afilhados de crisma, José Luís aparece como padrinho de outras nove crianças, de 1783 a 1791. Já em 9 de junho de 1783 era padrinho de Joaquina, filha de Antônio da Rosa e de Felisberta Antônia. Em seguida foi padrinho de quatro josés, o primeiro em 11 de abril de 1784, filho de Agostinho Gonçalves, o segundo em 16 de abril de 1786 ([v]), filho de seu futuro sogro Matheus de Souza, o terceiro em 7 de junho de 1787, também filho do seu futuro sogro (o José anterior já havia morrido), e o quarto e último em 19 de agosto de 1787, filho de Joaquim d'Ávila. Depois foi padrinho de Miguel, filho do sapateiro português José Antônio Beja, em 25 de setembro de 1787; de Anna, filha de Matheus de Souza, que então já era seu sogro, em 8 de agosto de 1789; de Maria, filha de José Antônio Beja, em 4 de novembro de 1789; e, por fim, em 11 de julho de 1791, de Anacleto, filho de Miguel de Oliveira e de Juliana Martins, um casal de índios guaranis ([vi]).
Todavia, não creio que isso signifique a possibilidade de José Luís ter vindo para Mostardas acompanhando o Visitador, seja como secretário ou o como simples membro da comitiva. Note o leitor que, na cerimônia do dia 23, José Luís é qualificado como “morador nesta freguesia”. Se ele chegou junto com o Visitador, então fazia somente uma semana que se achava em Mostardas. Isso significaria que ele não apenas já havia decidido deixar a comitiva, como já havia estabelecido residência naquela povoação, e, mais que isso, já passara a ser considerado “oficialmente” como um morador.
Ora, se as coisas aconteceram realmente assim, então a única explicação é que José Luís se “apaixonou à primeira vista” por Mostardas, e que, por sua vez, os moradores de Mostardas, a começar pelo vigário, o acolheram de imediato como um morador.
O que eu acho é que José Luís não veio com o Visitador, mas já morava em Mostardas, embora talvez havia bem pouco tempo. Acho que, se ele fizesse parte da comitiva do Visitador, o vigário, ao fazer os seus registros, teria qualificado José Luís como morador no Rio de Janeiro, por exemplo, mas nunca como “morador nesta freguesia”.
Acho que José Luís se achava na mesma situação do seu compadre Nuno Roiz Palma, atrás citado, que viera do Rio de Janeiro menos de seis anos antes (pois essa era a idade do pequeno Sebastião), ou seja, dentro dos seis anos que se seguiram à Reconquista da Vila de Rio Grande, ocorrida em 01-04-1776. Penso que José Luís Colares, Nuno Roiz Palma, José Antônio Beja e outros podem ter sido companheiros de armas que, terminada a guerra de 1776, voltaram para o Rio de Janeiro, mas, em vez de seguir de regresso a Portugal, fizeram-se aventureiros ([vii]), isto é, resolveram tentar a fortuna no sul, agora que Portugal havia finalmente conseguido consolidar o seu domínio sobre esta rica região.
Muito bem; mas de que modo, precisamente, José Luís Colares tentou fazer fortuna?
Dê o leitor uma outra olhada na assinatura de José Luís Colares. Note que a letra é firme, saída do pulso de quem costumava assinar o nome com freqüência, e que muito provavelmente sabia ler e escrever. Naquele tempo, ainda mais em Mostardas, quase toda a população era analfabeta; assinava-se desenhando uma cruz. Alguns poucos sabiam mal-e-mal assinar o nome, mas essa assinatura costumava sair garranchosa, em contraste com a boa caligrafia exibida por comerciantes, como Domingos Antônio Fernandes e João da Silva de Carvalho e Cruz, segundo pude ver dezenas de vezes nas centenas de documentos que pesquisei. Note ademais o leitor que a assinatura de José Luís terminava com uns arabescos, recurso largamente utilizado pelos comerciantes, para dificultar falsificações.
Lembre outrossim o leitor a carta do Sr. Manuel Metello, e considere o fato de que José Luís, assim como faziam os comerciantes que tinham um nome muito comum, adotou um sobrenome, para evitar ser confundido com outros josés luíses. E veja que, de fato, havia, na mesma época em que José Luís apareceu em Mostardas, um outro José Luís, muito conhecido em toda a região, que era fazendeiro na vizinha vila do Estreito. Embora seu nome completo fosse José Luís de Abreu, todos o conheciam simplesmente por José Luís.
É bom que o leitor saiba da existência desse outro José Luís, pois, se um dia decidir fazer suas próprias pesquisas, vai encontrar muitos documentos desse José Luís que não é nosso antepassado, e correrá o risco de pensar que descobriu algo de novo. Por exemplo, quem for ao Arquivo Histórico de Porto Alegre e pedir para eles verem no computador se existe algum documento relativo a José Luís, vão lhe trazer em cinco minutos um título de venda de terras no Estreito, assinado por José Luís. Só que esse é o José Luís de Abreu. Se consultar, no Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul, os livros do antigo notariado de Porto Alegre ([viii]), vai encontrar, na época em que José Luís Colares pertencia ao mundo dos vivos, pelo menos meia dúzia de procurações passadas para esse José Luís que, em minha opinião, era o mesmo fazendeiro do Estreito, ou talvez algum terceiro José Luís, mas não o nosso antepassado ([ix]).
Por aí o leitor vê que existia, realmente, um bom motivo para José Luís julgar conveniente acrescentar o Colares ao seu nome de batismo.
Por tudo o que vi, o nosso antepassado sempre assinou e sempre foi conhecido pelo nome completo, José Luís Colares. E acho isso perfeitamente compreensível, pois creio firmemente que ele era comerciante, e, como tal, devia primar sempre pelo seu nome. Raciocine o leitor comigo: se ele não achasse importante se chamar Colares, por que então teria acrescentado esse sobrenome ao Luís?
Lembremos que, naquela época, não existiam, como hoje, empresas que são conhecidas sobretudo por suas marcas, as quais não raro servem apenas para esconder o nome dos seus verdadeiros proprietários. Na época de José Luís o que existiam eram comerciantes, cujas "marcas" eram duas: seus nomes e suas firmas, isto é, suas assinaturas, que deveriam ser inconfundíveis, a par de ser capazes de transmitir confiança e segurança tanto aos seus clientes como aos seus fornecedores. Naquela época o comerciante não se escondia por trás do nome de uma empresa; ao contrário, ele se expunha abertamente, sua "empresa" era o mesmo que sua honra, sua reputação comercial era o mesmo que sua reputação pessoal. Se ele desse algum calote, ia para a cadeia – naquele tempo ia mesmo –, pois não havia nenhuma "pessoa jurídica" capaz de levar a culpa em seu lugar...
Mostardas, no século XVIII, era uma das vilas mais progressistas do Rio Grande do Sul. Era certamente uma das maiores produtoras de trigo, de lã e de mulas, se não também de couro; enfim, produzia tudo o que constituía, naquela época, as maiores riquezas da nossa região. Embora não deixasse de ser uma pequena vila, ela estava cheia de comerciantes. E não tinha nenhum tabelionato para o reconhecimento de firmas. Havendo qualquer dúvida sobre a autenticidade de uma assinatura numa letra ou numa simples carta, o juiz consultava os comerciantes, que tinham fé pública, e o parecer de um deles punha fim à questão.
Se eu insisto sempre nessa minha teoria de que José Luís Colares se tornou comerciante, não é apenas com base nas evidências que atrás citei, mas também porque não vejo nenhum modo melhor de explicar este mistério, que é o mistério do prestígio do nome Collares na história antiga de Mostardas, assunto que tratarei mais adiante, ao falar do aparecimento de outras famílias Collares.
Enfim, por todas essas razões, e mais outras que adiante veremos, minha opinião é de que José Luís Colares, depois da guerra, viveu do comércio, a exemplo de tantos outros portugueses que vieram tentar a fortuna no Novo Mundo.
Mas a que tipo de comércio José Luís se dedicou?
Respondo que foi o comércio de mulas, animais que na época eram muito procurados para o trabalho de extração do ouro nas Minas Gerais.
Explico por que tenho essa opinião.
Em primeiro lugar, trata-se de um tipo de comércio que se coaduna muito bem com a atividade que José Luís antes exercera, ou seja, a atividade militar. Se serviu o exército dos 16 aos 26 anos, além do mais como simples soldado, José Luís certamente deveria entender mais de cavalos e de bestas de carga do que de lavoura ou de tecidos.
Em segundo lugar, porque era um negócio altamente lucrativo, conforme acima já aludi, a respeito de Domingos José de Almeida e dos visitadores.
Em terceiro lugar, por causa de um dos mistérios que envolvem o sobrenome Collares, que é a existência, em Santo Antônio da Patrulha, de um índio guarani de nome Luís Collares.
A única notícia que encontrei desse índio foi o registro de batismo de sua filha Catarina, ocorrido em 1791; por aí é que sabemos que o guarani Luís Collares era casado com uma mulher da sua mesma raça, de nome Maria Rodrigues.
Tentei encontrar o registro do casamento ou quaisquer outras notícias dessa família, mas não consegui; no Bispado de Porto Alegre, temos de contentar-nos em pesquisar nos fichários deixados por outros pesquisadores, fichários esses que não oferecem a mínima garantia de fidedignidade, por mais ilustres que possam ter sido seus autores. Só trabalha bem quem tem um interesse mais profundo na pesquisa, e um cuidado que vai muito além de anotar às pressas um monte de nomes e datas de gente que já morreu, e às quais, de regra, não nos liga nenhuma simpatia especial.
É muito fácil pesquisar em cima de fichários e de resumos de processos; o problema é que isso só conduz a erros, e dos mais grosseiros. Só vou citar um exemplo. No Arquivo Público de Porto Alegre, existe, ou pelo menos existia, um livrinho que trazia o resumo de todos os inventários da comarca de São José do Norte, que antigamente abrangia Mostardas. Ali aparece o nome de Joaquim Ignácio Collares, falecido em Mostardas em 1857, assim como os nomes de sua mulher e dos "filhos" do casal. Um insigne historiador gaúcho, que conheci no Arquivo, me assegurou que aquele Joaquim era "a origem de todos os Collares", e que tudo o que eu tinha de fazer era pesquisar a descendência de cada um dos seus "filhos" ([x]). Naturalmente que eu não levei isso a sério, pois não apenas já conhecia o trabalho de Rheingantz, como naquele tempo (por volta de 1997) já tinha pesquisado tudo sobre aquele Joaquim Ignácio Collares. Aquele tal livrinho estava simplesmente errado, e só servia para induzir em erro quem o consultasse. Na verdade, Joaquim era dos Machado Pereira, açorianos do Estreito, que nunca haviam passado nem perto da Vila de Colares. Joaquim simplesmente adotou o sobrenome Collares ([xi]). E, para completar a confusão, os "filhos" que aparecem no livrinho não são filhos, são irmãos e sobrinhos de Joaquim, isto é, os seus herdeiros legítimos, já que Joaquim não deixou filhos (pelo menos legítimos).
Desculpe o leitor eu me ter desviado outra vez do assunto, mas acho importante avisar dessas armadilhas da pesquisa, pois um dos objetivos deste trabalho é, justamente, o de estimular mais pessoas a pesquisar a história da nossa família, e a tentar desvendar os mistérios que ainda persistem.
Bem, como eu ia dizendo, havia, em 1791, um índio chamado Luís Collares. Raciocinemos agora. Visto que tanto ele como sua mulher eram índios, então não eram da Vila de Colares. Visto que era casado e levou sua filha para batizar, então era católico, o que significa que se havia integrado na civilização ibero-americana. Ora, geralmente esses índios catequizados não conseguiam outro emprego senão nas lides de campo.
Quanto a se chamar Collares, eu só vejo uma explicação. Afora o nosso antepassado, não existem notícias de outro Collares no Rio Grande do Sul naquela época; de onde mais, portanto, esse índio poderia ter tirado esse sobrenome?
O que eu acho é que esse índio Luís Collares era um empregado de José Luís Colares, e mais, que ele esteve bastante tempo a serviço de nosso antepassado, tanto que lhe pegou o sobrenome.
Agora outra pergunta: por que José Luís Colares, sendo um comerciante, precisava empregar, por tanto tempo, um peão índio, isto é, um homem hábil nas lides de campo?
A resposta mais provável que vejo é esta: porque José Luís Colares explorava, justamente, o comércio de mulas, que era dos mais atrativos naquela época.
Não deixa de constituir um detalhe interessante que o índio Luís Collares residia em Santo Antônio da Patrulha. Essa povoação se formou a partir de um registro ali instalado pelo governo, para cobrar impostos das tropas de gado (inclusive de mulas) que seguiam para o norte. Santo Antônio fica exatamente no começo da velha estrada dos tropeiros, também conhecida como Caminho de Cristóvão Pereira ([xii]), que ia dali até Sorocaba, em São Paulo. Esse registro não apenas ainda existia, como funcionava "a todo vapor" em 1791, ainda mais em função do comércio de mulas. Uma mula custava, em 1791, três vezes e meia o preço de um boi. Um burro hechor, isto é, fazedor de mulas, custava nada menos que 25 bois ([xiii]).
Mas há ainda outra evidência, que é a seguinte.
José Luís Colares é arrolado em três processos de inventário, não como tendo dívida, mas como credor do inventariado, ou seja, do falecido. Tratam-se dos inventários da viúva Rosa Maria ([xiv]), falecida em 1793, de João da Silva de Carvalho e Cruz ([xv]), comerciante português que morreu também em 1793, pouco depois de Rosa Maria, e de Matheus de Souza ([xvi]), que foi o sogro de José Luís, falecido em 1794.
Em todos esses três inventários, sempre aparecem, junto com os nomes das pessoas a quem o defunto ficara devendo algum pagamento, e do valor a ser pago, uma indicação sobre o fato que gerou a dívida. Por exemplo, no inventário de Matheus de Souza constam, entre outras, as seguintes "dívidas que o casal deve": a Manoel Fernandes, "de fazendas", Rs. 13$000; ao tenente Francisco Ignácio de Lemos, "de dízimos", Rs. 7$280; a José Ignácio de Lemos, "de resto de dízimos", Rs. 3$040; a Joaquim José Gonçalves, "de fazendas", Rs. 20$420; a José Luís Colares, Rs. 14$720...
Veja o leitor, o inventário não diz por que razão Matheus de Souza devia ao seu genro a importância de quatorze mil e setecentos e vinte réis. E assim, para nosso azar, acontece também nos outros dois inventários, o que nos deixa sem nenhuma prova concreta, ou ao menos uma pista concreta, sobre o modo como José Luís ganhava a vida.
Mas esse inventário de Matheus de Souza nos dá uma indicação, que, embora talvez não passe de mera coincidência, constitui, sim, se somada às outras pistas que já mencionamos, uma evidência plausível. É que o dinheiro que Matheus, ao morrer, devia para José Luís correspondia, exatamente, ao preço de 46 éguas. Matheus de Souza deixou, ao morrer, 91 éguas. Ora, ninguém naquela época precisava de tantas éguas a não ser para produzir mulas; e, com todo efeito, Matheus de Souza deixou também um burro hechor, quer dizer, fazedor de mulas. Acho que isso não deixa dúvidas de que Matheus de Souza era um criador de mulas. Mas tem mais uma coisa. Das 91 éguas que Matheus deixou, 46 faltavam ser pagas a José Luís Colares. Ou seja, a metade. Isso sugere que Matheus de Souza e seu genro José Luís Colares tinham sociedade no negócio de mulas.
Essas conjeturas se casam bem com outro fato conhecido da vida de José Luís Colares: é que, em 1794, quando Matheus de Souza morreu, José Luís acabara de vender, para João Vieira de Brito, as terras que havia comprado de Estêvão de Souza no Campo Bom ([xvii]). Estaria assim explicado o seguinte: todas essas 91 éguas estavam no seu campo, e, agora que ele não tinha mais esse campo, haviam sido levadas para as terras do seu sogro.
O que me parece é que José Luís Colares usava o pedaço de terra que adquirira no Campo Bom exclusivamente para criar éguas e produzir mulas. Sabemos, pelo inventário de Matheus de Souza, que ele, assim como quase todos os colonos açorianos, plantava trigo. Se ele quisesse ampliar seu negócio de produção de mulas, teria de usar outras terras. Por outro lado, do mesmo inventário vemos que o burro hechor de Matheus havia sido comprado do seu sogro (portanto nosso antepassado também) Estêvão de Souza, que era o dono do Campo Bom. Está aí: Matheus comprou o burro, José Luís o pedaço de campo. As éguas eram para ser compradas pelos dois juntos, mas Matheus não tinha o dinheiro (no inventário consta que ele ficou devendo para Estêvão parte do valor do burro), e José Luís pagou todas do seu bolso. Comprou 92 éguas, ficando Matheus a dever-lhe o dinheiro correspondente à metade desse plantel, Rs.14$720. Depois, antes de fevereiro de 1795, data em que o inventário de Matheus de Souza foi autuado, veio a morrer uma das éguas, restando as 91 que aparecem no inventário.
Mas isso é apenas, como eu disse, apenas mais uma pista. Na verdade, o preço da égua era o mesmo preço de uma ovelha; quer dizer, as 46 éguas poderiam ser, na verdade, 46 ovelhas. Isso também é possível, como é possível também que os Rs. 14$720 se referissem a um simples empréstimo que José Luís fizera para o sogro.
[i] Livro n.º 1 de Batismos da Freguesia de São Luís de Mostardas, fl. 20.
[ii] Quem quiser se dar ao trabalho de estudar os nomes dos crismados e dos seus respectivos pais e padrinhos em cada uma dessas cinco cerimônias vai descobrir quem eram os primitivos moradores de cada um dos cinco principais distritos da paróquia de Mostardas. Suspeito que os paroquianos visitados em primeiro lugar deviam morar mais ao norte, e os visitados por último mais ao sul. Porém, para saber mais exatamente onde ficava cada um daqueles antigos distritos, o pesquisador terá de comparar os nomes (e a ordem dos nomes) que aparecem em outros documentos, como, por exemplo, o levantamento dos proprietários de terras de 1785, ao qual me refiro em outra nota mais adiante. Uma coisa, desde já, parece certa: a segunda cerimônia de crisma deve ter ocorrido em Mostardas mesmo, já que foi a que teve maior número de crismados. Então a primeira deve ter sido em São Simão (se o Visitador veio do norte).
[iii] VARELA, Alfredo: Revoluções Cisplatinas, Livraria Chardron, Porto, 1915, volume II, pág. 1008.
[iv] VARELA, Alfredo: Revoluções Cisplatinas, Livraria Chardron, Porto, 1915, volume II, pág. 781.
[v] Não deixa de ser estranho que, no ano de 1785, José Luís Colares não foi mencionado numa relação de proprietários de terras e moradores não-proprietários de Mostardas, existente no Arquivo Histórico (Códice F-1198, fl. 273 e seguintes). Nessa relação, aparece o nome de José Antônio Beja, classificado entre os três únicos “casais que se acham ao redor desta Freguesia, nas terras do Santo, pagando renda” e que não eram proprietários de datas ou de fazendas. (É aí que José Antônio Beja é indicado como sendo sapateiro.)
[vi] Depois desse batismo celebrado em 11 de julho de 1791 as notícias sobre José Luís se restringem ao nascimento de seus segundo e terceiro filhos, respectivamente em 1792 e 1794, e à sua morte, ocorrida em 25 de agosto de 1795. Possivelmente, os negócios não iam bem, tanto que deve ter sido por essa época que José Luís se desfez do pedaço de campo que havia comprado do avô de sua mulher. Essa situação pode tê-lo forçado a ausentar-se de Mostardas com mais frequência ou mais demora. Pode ser, também, que tenha simplesmente caído doente, especialmente a partir de 1794.
[vii] Naquela época se chamavam aventureiros os imigrantes que não eram nem colonos dos Açores, nem donos de sesmarias, nem militares. Os aventureiros vinham de vários pontos do Brasil, e muitas vezes diretamente de Portugal. Em geral, os imigrantes portugueses eram oficiais, isto é, artesãos, como ferreiros, sapateiros etc.
[viii] Na verdade, esses preciosos livros, que aliás são uns livrões, foram tão afetados pela umidade e tão comidos pelos cupins que eu receio que dentro de muito pouco tempo não existirá mais nenhum deles.
[ix] José Luís de Abreu é descrito como "morador nesta Freguesia do Estreito do Rio Grande de São Pedro do Sul, e nele casado [sua mulher se chamava Ana do Rosário], que vive de sua fazenda de criação de animais vacuns e cavalares, 42 anos de idade", no inventário de Antônio Silveira (Rio Grande, 1° Cartório de Órfãos, proc. n.° 22, maço 1, ano 1785). Em Rio Grande, em 1780, há notícia de outro José Luís, conforme atesta essa passagem do inventário de Laureana Ignácia de Jesus (Rio Grande, 1° Cartório de Órfãos, proc. n.° 6, maço 1, ano 1781): "Recebi do Sr. José Luís 19$200 do funeral (...) de 24 de abril de 1780 (...) de Laureana Ignácia de Jesus, mulher de Francisco Ferreira de Souza". Ou seria o mesmo José Luís de Abreu? Ou o próprio José Luís Colares? Como saber!...
[x] A mesma coisa me afirmou poucos anos depois uma famosa genealogista, já falecida, que, assim como o referido historiador, acreditou comodamente no que constava naquele livrinho inútil, o qual, graças à Providência Divina, parece que sumiu lá do Arquivo Público.
[xi] Sobre Joaquim Ignácio Collares eu falarei mais adiante, no tópico intitulado "Buscando uma explicação para o aparecimento de outras famílias Collares".
[xii] Cristóvão Pereira foi o primeiro tropeiro do Rio Grande do Sul. Descobriu o caminho que levou o seu nome, e que corresponde, mais ou menos, ao traçado da atual rodovia BR116.
[xiii] Basta ver os inventários da época, por exemplo o de Matheus de Souza, que adiante referirei.
[xiv] Arquivo Público de Porto Alegre: estante de Rio Grande - 2° Cartório do Cível e Crime - Processo n.° 4 - maço 1 - ano 1794.
[xv] Arquivo Público de Porto Alegre: estante de São José do Norte - Cartório de Órfãos e Ausentes - Processo n.° 11 - maço 1 - ano 1793.
[xvi] Arquivo Público de Porto Alegre: estante de São José do Norte - Cartório de Órfãos e Ausentes - Processo n.° 16 - maço 1 - ano 1795.
[xvii] Essa notícia está no processo de medição de terras de Affonso José. Arquivo Público de Porto Alegre: estante de Rio Grande, 2° Cartório do Cível e Crime, processo n.° 607, maço 16, ano 1824.
4. Minhas conclusões sobre José Luís Colares
Se formos considerar separadamente cada um dos fatos de que falei, seremos forçados a reconhecer que eles não provam muita coisa. Nem mesmo a indicação que parece a mais bem fundamentada de todas, a de que ele devia ter sido um comerciante, está absolutamente livre de dúvidas: pois também José Antônio Beja adotou por sobrenome o nome da vila de onde veio, e não era comerciante, mas "oficial sapateiro", como então se dizia. José Luís Colares poderia ter um ofício semelhante, como o de ferreiro ou de pedreiro.
As descobertas mais importantes que fiz foram: que em 1783 José Luís morava em Mostardas e já havia adotado o sobrenome Colares; que chegou a ser proprietário de um pedaço de terras no Campo Bom; que sabia ler e escrever; e que, provavelmente, empregou um peão que era índio.
No entanto, se tomarmos todas as informações que colhi em minhas pesquisas e analisarmos todas elas em conjunto, seremos forçados a reconhecer que, ou se trata de muita coincidência, ou então é verdade que José Luís Colares veio para o Brasil como soldado, para lutar contra a dominação espanhola, e que depois da guerra se tornou comerciante de mulas, em sociedade com seu sogro Matheus de Souza.
Minha opinião é que coincidência tem limite, e que os fatos apresentados, além de uma série de outros pormenores que deixei de citar para não enfadar o leitor, se encaixam muito bem na história que montei, e que agora passo a contar.
José Luís Colares: uma biografia provável
Convocado aos 16 anos de idade, José Luís foi incorporado a um dos batalhões organizados em Portugal em começos de 1767 e mandado para o Brasil, vindo a desembarcar no Rio de Janeiro no dia 5 de outubro daquele ano. Em 1774 seguiu para o Rio Grande do Sul, desembarcando em Laguna e marchando por terra até São José do Norte, onde o exército ficou acampado por dois anos. Finalmente, em 1° de abril de 1776, tomou parte na ação militar que culminou na reconquista da Vila do Rio Grande e na expulsão dos espanhóis.
Após a vitória de 1776, os batalhões portugueses retornaram para o Rio de Janeiro. Passados poucos anos, José Luís decidiu retornar para o sul para tentar a sorte, juntamente com seus camaradas José Antônio Beja, Agostinho Gonçalves, Nuno Roiz Palma, Antônio Nunes Carmelo, o sargento Manoel Fernandes e o capitão Antônio Gomes de Carvalho. Veio para Santo Antônio da Patrulha e passou a explorar o comércio de mulas, isto é, a comprar mulas dos fazendeiros da região, reuni-las em tropas e conduzir essas tropas para Sorocaba, onde as mulas eram vendidas com um bom lucro.
Adotou então o sobrenome Colares, principalmente para não ser confundido com um outro José Luís que vivia então no Estreito, e que era bastante conhecido. Isso pode ter-se dado por volta de 1780.
Contratou, para auxiliá-lo com as tropas de mulas, índios guaranis catequizados. Um desses índios se fez chamar, em língua portuguesa, Luís Collares. Outro deles foi aquele Miguel de Oliveira que, em 1791, convidou José Luís Colares para ser padrinho de seu filho Anacleto.
Pouco antes de 1783, José Luís passou a morar em Mostardas, vila que ficava bem no centro da região onde comprava suas mulas. Ali se aproximou da família Souza, vindo a casar em 1788 com a filha mais velha de Matheus de Souza e a adquirir, pela mesma época, um pedaço de campo a Estêvão de Souza, onde passou a produzir mulas em sociedade com o sogro.
A partir de 1792 parece que as coisas já não andavam muito bem. José Luís vende o campo. Em 1794 morre Matheus de Souza, e no ano seguinte José Luís Colares, deixando o filho mais velho com apenas 5 anos.
Maria Ignácia, viúva de Matheus de Souza, casa-se no final de 1795 com o sargento Manoel Fernandes, que assume, assim, o patrimônio e a direção da família.
5. Destino de Anna Ignácia e de seus filhos
Na preciosa coleção de
fotografias antigas do nosso parente Sr. Cândido Pires de Oliveira encontra-se
esta chapa, batida por volta de 1882:
No verso, aparece a inscrição:
Para a Francisca, do seu tio
Laurindo José da Silva.
E também uma anotação feita a lápis, possivelmente pela própria Francisca Maria Collares, que era neta paterna de José Luís Collares e materna de Leonardo José Collares, os dois filhos homens de José Luís Colares (o Primeiro Collares):
Irmão natural do vovô Leonardo.
Quando o Sr. Cândido me mostrou essa foto pela primeira vez, em 1994, fiquei vivamente intrigado. Eu havia acabado de descobrir (em 06-08-1993), no Bispado de Rio Grande ([i]), o registro de óbito de José Luís Colares, de 1795, e por isso não podia admitir que o primeiro Collares tivesse tido um filho que, por volta de 1880, aparentava contar, no máximo, setenta anos. Devia tratar-se de algum engano.
Se aquele Laurindo era irmão natural dos filhos do primeiro Collares, então só poderia ser filho de Anna Ignácia de Jesus – de quem, porém, eu nada sabia. E por isso, naquele primeiro momento, não fui capaz de perceber a significação do achado.
Desde que eu havia descoberto o registro de óbito de Matheus de Souza e de seu genro José Luís Colares, eu já vinha curioso por descobrir o que Anna Ignácia, com apenas 24 anos e três filhos pequenos para criar, teria feito de sua vida, após ter perdido o pai em 1794 e o marido em 1795.
Jamais foi fácil, para uma mulher sozinha no mundo, criar três filhos menores; mas em 1795 isso era ainda mais difícil, especialmente em um lugarejo como Mostardas. As mulheres não podiam, então, registrar nada em seu nome, senão com permissão direta do próprio Rei de Portugal. As mulheres não eram nada sem um pai ou um marido; na falta destes, e na falta dos bens por estes deixados, a situação se tornava praticamente insustentável.
Foi com o espírito tomado por essas preocupações que, em abril de 1996, depois de tê-la interrompido durante quase um ano, para atender a compromissos profissionais, reiniciei minha pesquisa no Arquivo Público de Porto Alegre. Peguei todos os processos judiciais de Mostardas, especialmente os que não se achavam catalogados – os dos maços 20 e 21 –, e li e reli todos eles.
Havia um calhamaço de centenas de folhas, sem capa, e ainda por cima faltando todas as 30 primeiras folhas, que já me passara pelas mãos uma ou duas vezes, e no qual eu nada havia achado de interesse, a não ser a menção ao meu antepassado Laurindo Teixeira Brasil.
Eu não havia levado muito a sério tal descoberta. No começo, achei que se tratava, simplesmente, de uma questão judicial envolvendo Laurindo Teixeira Brasil, e só me animei a continuar folheando o manuscrito contando descobrir, no máximo, um episódio interessante da vida daquele meu ancestral, que eventualmente poderia valer a pena incluir no meu futuro livro, ao menos como mera curiosidade.
Foi então que deparei, noutra folha, com o nome de Laurindo José da Silva.
Talvez eu já tivesse lido esse mesmo nome numa das vezes anteriores, sem contudo atinar de quem se tratava; mas foi nesse dia 14 de junho de 1996 que eu liguei mentalmente esse nome com o simpático senhor do retrato antigo ([ii]), e, ao mesmo tempo, com Anna Ignácia de Jesus. Foi, por isso, nesse dia que eu resolvi dedicar mais algum tempo ao exame daquele processo. E nunca me esquecerei da emoção que senti quando deparei, em alguma das folhas seguintes, com a referência a uma viúva Anna Ignácia.
Eu já havia procurado pistas do destino de Anna Ignácia e de seus filhos por toda parte. Tivera tido a esperança de encontrar seu inventário, ou qualquer outro processo em seu nome, nas estantes de Mostardas, Conceição do Arroio (Osório), Viamão, Porto Alegre, Santo Antônio da Patrulha, São José do Norte, Rio Grande, até mesmo Bagé e outras comarcas. Havia encontrado umas poucas Ana Maria de Jesus ou de Souza e até mesmo uma ou duas Ana Ignácia de Jesus, mas não eram ela. Eu sabia, portanto, que era coincidência demais encontrar uma Anna Ignácia em qualquer processo, e coincidência mais instigante ainda encontrar esse nome em associação com os de Laurindo Teixeira Brasil e de Laurindo José da Silva, que poderia ser seu filho.
E, de fato, aquele Laurindo José da Silva era o mesmo da antiga fotografia, de quem ninguém na família já lembrava, e aquela viúva Anna Ignácia era mesmo a Anna Ignácia de Jesus, de quem, tampouco, ninguém lembrava mais... A prova cabal disso eu não encontrei senão no segundo ou no terceiro dia de leitura, quando deparei, no verso da folha 74, com a declaração de uma testemunha, de que ouvira Manoel José de Souza Magro queixar-se dos "...filhos da mesma viúva, Jozé Luiz e Leonardo, que trabalharam mais com bois, carreta e cavallos de seus pais do que elle mesmo, que hera filho; pois que elles, quando queriam, iam mesmo ao campo..."
A essa, seguiram-se depois evidências ainda mais fortes, como as citações, às fls. 77, 79 e outras, do nome completo de José Luís Collares (o filho mais velho do Primeiro Collares).
Eu comparo o achado daquele velho manuscrito a um facho de luz vivíssima lançado inesperadamente sobre uma das partes mais remotas do passado de nossa família, que dormia no esquecimento havia duzentos anos... Isso representou, para mim, a experiência mais fascinante de todos os dez anos que duraram minhas pesquisas.
O processo de que estou falando é o processo judicial de habilitação de herdeiros (São José do Norte - Cartório de Órfãos e Ausentes - Processo n° 695 - maço 21 - ano 1832) pelo qual os dois filhos que Anna Ignácia teve de Ignácio José de Souza Magro, Laurindo e Silvina, intentaram – e conseguiram – provar que eram filhos de Ignácio, e que portanto cabia a eles, e não aos irmãos do falecido, o direito aos bens deixados pelo pai.
Explico: Ignácio José de Souza Magro havia morrido sem deixar filhos de seu casamento arranjado com a rica, humanitária e estéril ([iii]) viúva Ana Joaquina da Silva, dona da Fazenda da Figueira. Não tendo deixado filhos, a herança seria repartida entre os seus irmãos. Mas a lei dava direito à herança, na falta de filhos legítimos, àqueles que tivessem sido gerados por homem e mulher desimpedidos, que poderiam ter-se casado. E esse era exatamente o caso: quando Anna Ignácia de Jesus teve os filhos Silvina e Laurindo, era viúva, e Ignácio, solteiro. Portanto, poderiam ter-se casado.
Embora se trate de um processo de habilitação, cujos autores eram Silvina e Laurindo, eu o chamo de processo de Anna Ignácia porque, no fundo, ele foi isso mesmo: o que estava em questão era, antes de mais nada, a honra de Anna Ignácia de Jesus. Pois não haveria nenhuma esperança de provar que Laurindo e Silvina eram filhos de Ignácio Magro se os réus (os irmãos do falecido) conseguissem fazer o juiz suspeitar de que Anna Ignácia era uma mulher pública, como uma das testemunhas deles atreveu-se mesmo a declarar. De fato, o juiz só deu sentença favorável aos bastardos porque "...naqueles fatos que foram alegados pelos réus e que mais podiam contribuir para destruir a intenção dos autores se não acha, a respeito deles, uniformidade nos depoimentos das testemunhas com razão capaz de merecer o conceito legal" (fl. 182, verso) ([iv]).
Imagino eu que esse caso deve ter agitado a pacata Mostardas de 1832. A questão era: eram os pobres filhos de Anna Ignácia filhos do recém-falecido Ignácio Magro, e portanto tinham esses jovens direito à sua valiosa herança, em lugar dos irmãos do falecido?
Até então, a tese da paternidade de Ignácio Magro havia permanecido, por mais de vinte anos, circunscrita a colóquios de família, a confissões feitas na igreja, a queixas que se extravasavam a amigos de confiança, a conversas entretidas na taverna de João José de Andrade (que foi, pela década de 1820, o grande fórum das discussões políticas e sociais da velha Mostardas). Com a notícia do processo, porém, o que se comentava com reserva foi exposto aos quatro ventos. A discussão ganhou as ruas, empolgando a população. Conforme foi evidenciado nos diversos testemunhos – inclusive alguns do lado contrário –, a maioria dos mostardeiros se posicionou a favor dos filhos da pobre viúva, tanto o povo simples quanto as pessoas de maior projeção: os padres, os juízes de paz, os militares, e até mesmo a viúva de Ignácio, a rica Ana Joaquina da Silva, de cuja nobreza de princípios acham-se provas não só neste processo, mas especialmente no seu testamento ([v]).
Laurindo José da Silva era então menor de idade, sendo por isso representado por seu curador Francisco José Velho, através do procurador constituído por este, Theodoro da Silva Pinto. Já sua irmã Silvina acabara de casar-se com Victorino José da Silva, que por isso a representava no processo. Francisco José Velho era o suplicante, sendo o suplicado Manoel de Souza Magro, na qualidade de inventariante e irmão do falecido Ignácio José de Souza Magro. O escrivão era Antônio Francisco da Silva, marido de Gertrudes Ignácia Collares e genro de Anna Ignácia de Jesus, mãe dos autores Laurindo e Silvina.
Vale a pena transcrever estes trechos do processo, pelo que revelam sobre a história da família.
"Diz Vitorino José da Silva, por cabeça de sua mulher Silvina Maria de Jesus, e Laurindo José da Silva, moradores na Freguesia de Mostardas, herdeiros naturais do falecido ab-intestado Ignácio José de Souza Magro, que eles suplicantes querem fazer notificar a seu tio Laurindo Teixeira Brasil, por cabeça de sua mulher Francisca Maria de Souza, para, na presença deste Juízo, vir pelos meios de reconciliação reconhecer os suplicantes por filhos naturais daquele falecido, visto serem havidos dele no estado de solteiro, de mulher viúva com quem podia casar, a fim de herdarem a metade de seus bens, como o direito lhes permite..."
Nota-se que os autores tentavam obter o reconhecimento de algum dos irmãos do falecido, de que Ignácio era o pai dos requerentes. Por isso pediram o depoimento de Francisca Maria de Souza, que era casada com Laurindo Teixeira Brasil.
Laurindo Teixeira Brasil e sua mulher foram intimados em Bagé em 15-10-1832 pelo escrivão de paz José de Assis Candall. A audiência se deu no mesmo dia e local. Assistiu a ela Leonardo José Collares, como procurador de Victorino José da Silva e de sua mulher Silvina. Laurindo respondeu que nada sabia, apenas, sim, ouvira dizer por pessoas que Silvina e Laurindo seriam filhos de Ignácio Magro e da viúva Anna Ignácia de Jesus. Francisca Maria da Conceição, por sua vez, disse que "há 26 para 27 anos que saiu do Distrito de Mostardas para o Distrito de Canguçu e daquele para este, e só tem ido a Mostardas algumas vezes de passeio durante todo esse tempo, e que por isso de nada sabe."
Assinaram o termo dessa audiência Leonardo e Laurindo. Leonardo assinou Colares com um l, e Jozé com z. Sua letra aparece boa e firme.
A próxima tentativa dos autores foi com os dois irmãos de Ignácio que moravam no Uruguai, Antônio e João de Souza Magro. A audiência aconteceu no "Partido de Malgavas del Departamento del Durazno", em 10-11-1832, e seu termo foi lavrado conforme segue: "a petición de Don Agustín Almada, por poderes que le conceden los hijos bastardos que solicitan, los reconoscan por tales sobrinos suyos los vecinos de este Departamento D. Juán Soza y D. Antonio Soza, ante mí y los testigos que al final se hallarán suscritos an sidos, preguntados... se lo conocían por legítimo ermano al finado Ignacio Soza amvos dos ... que lo conocen, preguntados tamvién se le conocieron hijos bastardos al finado Ignacio responden que no le conocen ni menos p... de ninguno de sus familias an tenido, noticias que pueda haber tenido tales hijos y que se afirman en lo dicho..."
O procurador constituído por Victorino José da Silva e Francisco José Velho para representá-los nessa audiência acima reproduzida havia sido um certo Felisberto Pereira, que, com toda probabilidade, devia ser, assim como João e Antônio de Souza Machado, um emigrado de Mostardas.
Apesar de não terem conseguido o reconhecimento amigável de nenhum dos irmãos do falecido, Laurindo e Silvina ganharam a causa com facilidade, pois que, como eu já disse, contaram com os valiosos testemunhos de todas as pessoas gradas de Mostardas (padres, juízes de paz, militares e a própria Ana Joaquina), e inclusive com alguns testemunhos dos próprios réus, que, no momento de depor, diante do juiz, não ousaram mentir...
Ignácio José de Souza Magro foi o 7º filho de José de Souza Machado e de Bárbara Maria. Eram de José de Souza Machado os “bois, carreta e cavalos” e os campos com que os jovens irmãos José Luís e Leonardo José Collares trabalharam mais até do que os próprios filhos de seu benfeitor, como confessou o ciumento Manoel.
Pelo mesmo processo, ficamos sabendo que Anna Ignácia de Jesus morou numa casa em Mostardas, onde teve, de Ignácio Magro, os filhos Silvina Maria de Jesus, nascida em 19-11-1811, batizada em 03-12-1811 pelos padrinhos Antônio Francisco da Silva, futuro marido de Gertrudes Maria Collares, e a tia materna Ignácia Maria de Jesus; e Laurindo José da Silva, batizado em 26-05-1814 pelos padrinhos José Francisco da Silva, marido de Ignácia Maria de Jesus, e Gertrudes Maria Collares.
Ficamos sabendo também que, no feriado de Quinta-Feira da Ascensão de 1819, que caiu em 20 de maio, Ignácio terminou a construção de um rancho para Anna Ignácia e os pequenos Silvina e Laurindo numa data de terras comprada em nome de José Luís Collares, deu-lhe algumas cabeças de gado para seu sustento e um escravo de nome João.
Jamais encontrei o registro de óbito de Anna Ignácia (nem, aliás, o de sua mãe). A última notícia que dela encontrei é que, em 1847, foi madrinha da sua neta Silvina, filha de Silvina Maria de Jesus e de Victorino José da Silva.
Laurindo José da Silva nunca se casou, mas teve, de uma certa Maria do Carmo, de Santo Antônio da Patrulha, um filho, em 27-11-1856, cuja paternidade, a princípio, também hesitou em assumir. O pequeno Leonardo Laurindo da Silva somente foi perfilhado quando estava para completar 5 anos, em 16-04-1861.
Em 1778, esse seu único filho Leonardo Laurindo da Silva declarou-o morto,
emancipou-se e entrou na posse de suas terras, passando a ser dono do próprio
destino. Casou-se e deixou descendentes em Mostardas, que existem até hoje ([vi]).
Como eu nunca encontrei o registro da morte de Laurindo, imaginei que ele pudesse ter morrido em outro lugar que não Mostardas, e cheguei a confundi-lo com outro Laurindo José da Silva, que em 1881 vivia no Uruguai, onde foi nomeado avaliador dos bens ficados pela morte de Francisca Pereira Brasil, primeira mulher do Major Leonardo José Collares. Em 18-09-2017, porém, o historiador Pedro von Mengden Meirelles gentilmente me comunicou o teor de um documento que ele acabara de descobrir, e que pôs fim à minha confusão. Trata-se de uma correspondência datada de 22-10-1878, enviada de Palmas, Bagé, por Domingos Fernandes de Mesquita para Antônio Porfírio da Costa, em Rio Grande, na qual Domingos se refere a Laurindo José da Silva como já falecido.
Como Leonardo Laurindo da Silva reclamou sua herança no começo de 1878, deduzo que Laurindo José da Silva deve ter morrido entre fins de 1877 e começos de 1878, em Mostardas.
[i] Sempre que cito o Bispado de Rio Grande, sinto-me obrigado a renovar meus agradecimentos ao Sr. Finotto e à Dulce, respectivamente o secretário e a auxiliar de secretaria daquele Bispado, pessoas que sempre lembrarei com carinho e gratidão.
[ii] Nessa época, eu estava de posse de toda a coleção de fotografias do Sr. Cândido, que ma havia emprestado. Tinha tido bastante tempo, às noites, para ver e rever as fotos, examiná-las, compará-las, analisar as suas dedicatórias e anotações, enfim, pensar sobre elas. Não tivesse sido mais esse gesto de generosidade e de confiança do Sr. Cândido, e talvez eu jamais tivesse descoberto a história de Anna Ignácia de Jesus e dos primeiros anos de vida dos jovens José Luís e Leonardo José Collares.
[iii] Nunca teve filhos, embora tenha-se casado (e viuvado) três vezes. Casou-se 1ª vez, em 10-12-1796, com o espanhol Miguel José de Larra, de Madri (que foi quem comprou a Estância da Figueira). Viuvando deste, casou-se 2ª vez, em 25-08-1809, com o alferes José da Silva Terra, viúvo de Francisca Joaquina da Silva, mulher que lhe havia deixado 2 filhos, chamados José e Serafim. Viuvando deste, casou-se 3ª vez, em 02-12-1820, com Ignácio José de Souza Magro, filho de José de Souza Machado e de Bárbara Maria de Jesus. Deste 3° marido viuvou em 08-07-1832.
[iv] Essa parte da sentença analisa os depoimentos das testemunhas a respeito do artigo 3° das razões dos réus, que levantava a grave acusação de que Anna Ignácia, na época em que teve os filhos Silvina e Laurindo, costumava receber em sua casa visitas de diversos outros homens (até do padre!).
[v] Ela libertou todos os seus 18 escravos e lhes deu a “data do Rincão”, com cerca de 200 hectares de campo, com a condição de que esse campo jamais poderia ser vendido, devendo passar de geração em geração. Esses negros passaram para a História como os pretos forros da Figueira, e existem até hoje no lugar conhecido como Teixeiras, ao norte da Lagoa do Rincão de Cristóvão Pereira.
[vi] Leonardo Laurindo da Silva morreu em 14-11-1926, no lugar chamado Sumidouro, onde morava. Foi casado com Justina Soares da Silva, nascida por volta de 1859, e deixou duas filhas gêmeas, nascidas por volta de 1881: Maria do Carmo da Silva, casada com Tito Belarmino de Araújo, e Laurinda Soares da Silva, que em 1929 já era viúva de Heliodoro Pereira Vieira. Esta teve um filho Venerano Pereira da Silva, casado com Ondina Gonçalves da Silva, filha de Heliodoro José da Silva e de Rosina Gonçalves da Silva. Venerano, por sua vez, foi pai de Edemar Pereira da Silva, nascido no Sumidouro em 27-02-1930 (Livro n.° 2 do Registro Civil de Nascimentos de Mostardas, Arquivo Público de Porto Alegre). Laurinda teve, também, a filha Etelvina, nascida em Mostardas em 02-09-1861, da qual, entretanto, nada mais apurei (não sei nem mesmo se atingiu a idade adulta). Descendentes de Laurindo José da Silva existem até hoje na região da antiga Estância da Figueira, logo ao noroeste de Mostardas (oeste do Valim).
Já Silvina teve, de Victorino José da Silva, 4 filhas: 1. Perpétua Maria da Silva, nascida em 03-02-1832, casada em Mostardas, em 14-02-1863, com Joaquim Antônio da Cunha, filho de Serafim Antônio da Cunha e de Maria da Cunha (Perpétua e Joaquim foram residir em Laguna); 2. Laurinda Maria da Silva, nascida em Mostardas em 27-01-1841, casada em Mostardas, em 10-11-1860, com João Marcelino da Silva, filho de Marcelino José da Silva e de Ana Lopes; 3. Ana Maria da Silva, nascida em Mostardas em 13-07-1845, casada em Mostardas, em 14-09-1861, com Antônio Rodrigues de Mesquita, filho de Francisco Rodrigues de Mesquita e de Maria Nunes de Souza; e 4. Silvina Maria da Silva, nascida em 18-07-1847 e batizada em 25-12-1847 (quando teve por madrinha Anna Ignácia de Jesus).
6. A lenda do irmão que foi para o norte
Agora é o momento de dizer duas palavras sobre a velha lenda do "irmão que foi para o norte", vagamente conservada pela tradição oral da nossa família. Será que José Luís veio para o Brasil junto com um irmão?
Já vou adiantando que não acredito nessa lenda, por diversas razões.
Em primeiro lugar, parece que José Luís, que foi o primeiro filho homem, não teve nenhum irmão depois dele pelo menos até 1759, conforme se deduz da carta do Sr. Manuel Metello, da Associação Portuguesa de Genealogia, que acima eu reproduzi. Portanto, se para cá trouxe um irmão, este devia de ser cerca de dez anos mais jovem. Essa hipótese não combina com a minha teoria de que José Luís veio para cá como soldado, em 1767; com efeito, se veio com um irmão dez anos mais jovem, então deve ter chegado só depois da Reconquista do Rio Grande, isto é, só depois de 1776, quando seu irmão teria uns 16 anos.
Bem, mas se esse irmão veio com apenas 16 anos, então ele deveria ter ficado em companhia de José Luís durante nove anos, isto é, até atingir a maioridade, que na época era alcançada aos 25 anos. Ou seja, não pode ter-se separado de José Luís e seguido seu próprio rumo na vida antes de 1783, ano em que José Luís aparece como "morador em Mostardas".
Seja como for, como esse irmão teria “ido para o norte”, procurei investigar as origens das outras famílias Collares (ou Colares, com um “l”) surgidas no Rio Grande do Sul e em todo o Brasil.
Com relação às famílias Collares surgidas no Rio Grande do Sul, acho que pesquisei a origem de todas. O resultado dessa pesquisa eu apresento no título seguinte, intitulado “Buscando uma explicação para o aparecimento de outras famílias Collares no Rio Grande do Sul”.
Com relação às famílias Collares surgidas em outros Estados do Brasil, eu confesso que não me aprofundei muito no estudo de suas origens. Quero dizer com isso que é possível, sim, que uma delas tenha tido origem num irmão de José Luís Colares. Embora eu duvide disso, vou falar delas agora, muito resumidamente, para o caso de alguém se interessar em pesquisar as suas origens.
Quem pesquisar a Gazeta do Rio de Janeiro encontrará, já a partir dos anos 1840, dezenas de menções a pessoas de sobrenome Collares, e inclusive a famílias Collares estabelecidas nas cidades de Campos e no distrito de Rio Bonito, do município de Itaboraí. Pode ser que uma dessas famílias tenha sido fundada pelo tal irmão de José Luís Colares (principalmente essa de Campos-RJ).
Outra informação interessante é a que está no livro de Silva Leme, Genealogia Paulista, Volume V, pág. 331. Ali o famoso genealogista anotou o casamento, em São Paulo, no ano de 1765, de Aleixo de Almeida Ramos com Rita Maria de Cássia, sendo que essa Rita seria filha de um certo Julião Rodrigues Collares e de sua mulher Ângela Maria Pinto.
Mas é claro que esse Julião Rodrigues Collares não era irmão do nosso José Luís: ele era muito mais velho do que este. Faça o leitor o cálculo: se sua filha Rita se casou em 1765, Julião deve ter-se casado, o mais tardar, por volta de 1750, e portanto deve ter nascido por volta de 1730, se não antes. Era, portanto, pelo menos uns 20 anos mais velho do que o nosso antepassado. Além do mais, apesar de provavelmente ser natural da Vila de Colares, Julião não deve ter sido nem sequer parente de José Luís, pois, como o seu primeiro sobrenome indica, era da família Rodrigues.
Talvez a mais numerosa família Collares que existe no Brasil seja a que teve origem no Ceará. Esses Collares, segundo a tradição deles ([i]), seriam descendentes de três irmãos (José, João e Antônio) vindos da Vila de Colares em 1815, os quais parece que se fixaram primeiro no Aracati e, logo em seguida, em Icó. Os Collares cearenses se disseminaram por toda a Região Nordeste, e, no final do século XIX, “desceram” até a Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Um deles foi o fotógrafo que tirou uma foto de Rui Barbosa que é a única em que ele aparece de corpo inteiro.
A mais antiga família Collares de toda a América do Sul foi, provavelmente, a que existiu outrora em Buenos Aires, capital da Argentina. Pouca gente sabe, mas muitas das mais tradicionais famílias de Buenos Aires são de origem portuguesa. Os Collares argentinos tiveram origem num português (da Vila de Colares) que foi para lá em 1685, procedendo do Brasil. Parece que o navio estava indo para a Colônia do Sacramento, teve algum problema e se viu obrigado a arribar ao porto de Buenos Aires. Como os buenairenses estavam em guerra contra a Colônia do Sacramento, ninguém do navio foi autorizado a seguir viagem.
A propósito, lá na Argentina corre a fama de que esse Collares seria judeu, sendo esse o motivo pelo qual, não só na Argentina como também no Uruguai, geralmente se acredita que todos os Collares são judeus ([ii]).
Enfim, hoje estou convencido de que José Luís Colares veio para o Brasil sozinho, isto é, sem trazer nenhum irmão. Na verdade, acho que José Luís nunca teve um irmão.
Bem, mas, se foi assim, então é preciso explicar como foi que surgiu essa lenda do outro irmão que teria vindo com José Luís, e que “foi para o norte”.
Toda lenda tem um fundo de verdade, ou seja, é uma espécie de "história mal contada". E acho que eu descobri esse "fundo de verdade".
É o seguinte. Como já vimos, José Luís morreu muito cedo, deixando a mulher com 22 anos e o filho mais velho com 5. Seus filhos cresceram no seio da família materna, os Souza, e foram educados na tradição dos Souza.
Ora, a história dos dois irmãos que vieram juntos para Mostardas e depois um deles se mudou para um lugar mais ao norte é a história dos Souza. Os Souza eram vários irmãos, todos nascidos nos Açores, mas só dois deles emigraram para o Brasil: Thomé de Souza e Estêvão de Souza. Thomé morreu primeiro, pouco antes da fundação de Mostardas em 1773, e todos os seus filhos se estabeleceram em Mostardas. Estêvão, que era o avô de Anna Ignácia de Jesus, acabou vendendo a sua fazenda do Campo Bom e se transferindo com toda a família para Conceição do Arroio, a atual Osório, que fica ao norte de Mostardas.
Eis aí, em minha opinião, a explicação da lenda dos dois irmãos. Eram Souza, não Collares.
Nossos antepassados guardaram, vagamente, a história dos dois irmãos imigrantes, dos quais um morreu muito cedo e o outro um dia foi para o norte. Pensaram que essa história se referisse aos Collares, e transformaram uma verdade numa lenda...
Com efeito, nossos antepassados não guardaram lembrança nem mesmo do Primeiro Collares, quanto mais do “segundo”!...
Mas isso ainda não foi nada. Poucas gerações mais tarde, essa lenda foi "misturada" com outras informações verdadeiras, porém mal conservadas, com o que se tornou duas vezes mais enganadora. Veja o leitor o que passarei agora a contar:
Entre os nossos parentes uruguaios, a lenda em questão é contada da seguinte forma: os dois irmãos que teriam vindo de Portugal se chamavam Leonardo e Matheus; ao virem para o Brasil, Leonardo resolveu adotar por sobrenome o nome do lugar de onde vinham, passando a chamar-se Leonardo Collares, ao passo que Matheus resolveu adotar o nome do país para onde iam, passando a chamar-se Matheus Brasil...
Como o leitor pode ver, o que houve foi a criação de um mito, envolvendo os nomes de Leonardo José Collares e Matheus Teixeira Brasil, que, nascidos em Mostardas e vindos dali para as Palmas e em seguida para Corrales, foram os ancestrais daqueles nossos parentes do Uruguai.
A verdade é que a história dos dois irmãos imigrantes, dos quais um ficou no sul e o outro foi para o norte, é a história dos Souza, não dos Collares.
[i] A história dos Collares do Ceará eu ouvi pela primeira vez em 1999 de Adalice Collares, moradora de Belo Horizonte, e, mais tarde, ouvi-a também de vários outros descendentes.
[ii] Na verdade, isso os argentinos pensam não só dos Collares, mas de todas as outras famílias de origem portuguesa. Esse duplo preconceito – contra os judeus e contra os portugueses – surgiu no século XVIII, quando, em todo o mundo civilizado – na Alemanha, na França, na Itália – os portugueses ganharam a fama de serem judeus, e passaram a sofrer, quando viajavam para outros países, o mesmo tipo de discriminação. Esse fato é explicado por Antônio Ribeiro Sanches em seu livro Cristãos Novos e Cristãos Velhos em Portugal, escrito em Paris em 1748. Os portugueses ganharam essa fama graças, justamente, ao cruel regime de apartheid ao qual submeteram, por mais de duzentos anos, os seus próprios cidadãos descendentes de judeus, chamados cristãos-novos. Estes não tinham direito de fazer carreira, nem no exército, nem na marinha, nem no funcionalismo público, nem, é claro, na Igreja Católica. Além disso, quando eram denunciados ao Tribunal da Inquisição, tinham de confessar que “judiavam”, isto é, que faziam coisas consideradas típicas de um judeu – mesmo quando eram cristãos sinceros. Se não confessassem, eram acusados de obstinação, tinham seus bens confiscados, seus filhos iam morar na rua, enquanto eles iam para a fogueira. Se confessassem, então iam para um reformatório, para ter lições de catecismo – mas antes deveriam denunciar outros, senão iriam para a fogueira do mesmo modo. Isso, além de tornar Portugal odiado por todos os seus próprios cidadãos que tinham algum antepassado judeu, levou, por mais de duzentos anos, Portugal para as páginas de todos os jornais da Europa, que descreviam as constantes execuções de judeus nas fogueiras. Como resultado disso, tomou corpo, mundialmente, a opinião de que Portugal tinha mais judeus do que cidadãos.
7. Buscando uma explicação para o aparecimento de outras famílias Collares no Rio Grande do Sul
Um antigo dito de nossa família afirma, com convicção: "todos os Collares são parentes"...
Como o leitor já deve ter percebido, eu respeito e considero como verdade tudo o que constitui a tradição de nossa família. A única pretensão que tenho é de compreender o que nossos avós queriam, exatamente, nos dizer...
A conclusão a que cheguei após minhas longas pesquisas é de que essa solene sentença de que todos os Collares são parentes é apenas uma forma simples e breve de um velho avô, que ainda guardava a recordação da história de nossa família, ensinar para seus filhos e netos que todos os Collares, tanto os que ainda tinham campo e gado como aqueles que se tornaram pobres, e tanto os de Bagé como os do Uruguai, eram descendentes daqueles dois irmãos que vieram de Mostardas para as Palmas.
Porque a verdade é que quem sai daqui do eixo Bagé-Tacuarembó-Paysandú e vai morar em Pelotas ou em Rio Grande, ou sobe para Porto Alegre, ou ainda mais para o norte, ou mesmo quem vai visitar Mostardas, está sujeito a encontrar muitos outros Collares que não têm nenhum parentesco conosco.
No Rio Grande do Sul, nós somos a primeira família Collares que apareceu, a única família Collares cujo antepassado veio da Vila de Colares, em Portugal, e, ao que parece, a mais numerosa do que todas as outras.
Antes de José Luís Colares, houve outros, aqui no Rio Grande do Sul, que vieram da Vila de Colares, e pelo menos um que adotou o sobrenome Colares ([i]). Mas nenhum desses deu origem a uma família Collares. Ou, se deu, essa família logo se extinguiu.
Depois da nossa, várias outras famílias de sobrenome Collares apareceram em Mostardas e nas localidades próximas, desde o tempo em que José Luís era vivo até mais de cem anos depois de sua morte.
Nas páginas precedentes já fiz menção a duas dessa famílias, quando falei do índio Luís Collares e do açoriano Joaquim Ignácio Collares. Agora vou apresentá-las todas, uma por uma:
1. Os Collares Índios de Santo Antônio da Patrulha
Têm origem no casal de índios guaranis Luís Collares e Maria Rodrigues, que em 1791 batizaram, em Santo Antônio da Patrulha, uma filha, de nome Catarina. Conforme eu já disse, suponho que o índio Luís tenha adotado o sobrenome Collares por ter sido empregado de José Luís Colares. Nada mais pude descobrir sobre essa que, caso ainda exista – o que parece é que se extinguiu –, seria a mais antiga família Collares surgida no Rio Grande do Sul, depois da nossa.
2. Os Collares Açorianos de Santo Antônio da Patrulha
Mais ou menos em 1810 nasceu, em Santo Antônio da Patrulha, um menino que recebeu o nome completo do seu padrinho. E seu padrinho foi seu primo-irmão José Luís Collares, filho do Primeiro Collares.
Esse José Luís Collares "sobrinho" foi o primeiro filho do casal Antônio José Coelho e Angélica Maria de Jesus, sendo que essa Angélica era irmã de Anna Ignácia de Jesus, a mulher do Primeiro Collares.
É nosso parente, não pelo lado dos Collares, mas pelo lado dos Souza. Pois é neto de Matheus de Souza, assim como os filhos do Primeiro Collares.
Outra notícia que encontrei desse José Luís Collares de Santo Antônio da Patrulha foi que em 1865, no posto de alferes, partiu para a Guerra do Paraguai deixando a mulher e 7 filhos e filhas pequenos (o maior tinha 10 anos). Parece que morreu na guerra.
Tudo o que consegui apurar sobre esses nossos parentes de Santo Antônio da Patrulha se resume no seguinte.
● Inventário de Antônio José Coelho
No Arquivo Público do Estado do RGS (APERGS), há o inventário de ANTÔNIO JOSÉ COELHO (Santo Antônio da Patrulha, Cartório do Cível e Crime, processo n.º 45, maço 1, ano 1862). Ali se vê que Antônio José Coelho deixou os seguintes herdeiros:
1) José Luís Collares, que herdou a casa e o engenho de canas;
2) Luís José Coelho;
3) Boaventura José Coelho;
4) Silvina Hortência de Jesus;
5) Maria Antônia de Jesus, casada com Rogério Dias da Costa.
No mesmo inventáro consta ainda a informação de que os herdeiros acima tinham uma meia-irmã, chamada Íria Baptista de Lima, a quem os herdeiros doaram um cercado de terras. Consta também que a viúva meeira se chamava Angélica, e que era a mãe dos herdeiros citados.
Essas informações conferem com a pesquisa genealógica relativa a Angélica, que eu colhi nos arquivos eclesiásticos de Mostardas, conservados no Bispado de Rio Grande. Quando Angélica se casou com Antônio José Coelho, tinha, do primeiro casamento, uma filha chamada Íria Baptista Lima. E Angélica era irmã de Anna Ignácia, mulher do Primeiro Collares.
Tudo parece indicar que o José Luís Collares, filho de José Luís Collares (o Primeiro Collares) e de Anna Ignácia de Jesus deve ter sido o padrinho do primeiro filho de Angélica Maria de Jesus e Antônio José Coelho, tendo sido por isso que ficou com o mesmo nome. Infelizmente, não consegui localizar o registro do batismo de José Luís Collares, que deve ter nascido em Santo Antônio da Patrulha por volta de 1810.
● Registros dos batizados dos irmãos de José Luís Collares
Na Cúria Metropolitanta de Porto Alegre, consultando o fichário elaborado por Joaquim Felizardo, acham-se os REGISTROS DE BATISMOS DOS FILHOS DE ANTÔNIO JOSÉ COELHO E ANGÉLICA MARIA DE JESUS, nos quais consta que Antônio José Coelho era filho de Manoel Coelho e de Ana Rosa, naturais da Ilha de Santa Catarina, bem como que Angélica Maria de Jesus era natural de Mostardas, filha de Matheus de Souza e de Maria Ignácia de Jesus. Não encontrei o registro do batizado de José Luís Collares, mas somente dos seus seguintes irmãos:
1) Umbelina, batizada em 19-02-1811 em Santo Antônio da Patrulha (certamente deve ter morrido antes de 1862 sem deixar filhos, pois não aparece no inventário de Antônio José Coelho);
2) Silvina, nascida em 10-02-1813 em Santo Antônio da Patrulha;
3) Maria, nascida em 28-10-1814 em Santo Antônio da Patrulha;
4) Luís, nascido em 17-07-1819 em Santo Antônio da Patrulha.
● Registros dos batizados dos filhos de José Luís Collares
Na Cúria Metropolitanta de Porto Alegre, consultando o fichário elaborado por Joaquim Felizardo, acham-se os REGISTROS DE BATISMOS DOS FILHOS DE JOSÉ LUÍS COLLARES E DE DEOLINDA MARIA NUNES, nos quais consta que José Luís Collares era filho de Antônio José Coelho e Angélica Maria de Jesus, bem como que Deolinda Maria Nunes era natural de Viamão, filha de Fabiano Pereira Nunes e de Anna Luíza da Conceição Corrêa da Silva, naturais de Viamão. Somente encontrei os batizados de 3 filhos do casal José Luís e Deolinda:
1) Graciano, nascido em 14-07-1857 em Santo Antônio da Patrulha, teve como padrinhos Francisco Pereira Nunes e Íria Baptista Lima;
2) Boaventura, nascido em 4-07-1860 em Santo Antônio da Patrulha, teve como padrinhos Boaventura José Coelho e Izabel Josefa de Oliveira;
3) Manoel, nascido em 17-06-1861 em Santo Antônio da Patrulha, teve como padrinhos Manoel de Oliveira Torres e Maria Maximila de Oliveira Torres.
Esses devem ter crescido com o sobrenome Collares, a menos que tenham mudado para Coelho ou para outro sobrenome. O certo é que não encontrei mais nenhum Collares em Santo Antônio da Patrulha.
● Requerimento de Deolinda Maria Nunes
No Arquivo Histórico de Porto Alegre, no maço 118 de Requerimentos, consta o seguinte requerimento encaminhado por Deolinda Maria Nunes ao Chefe do Estado Maior, datado de Santo Antônio da Patrulha, 29 de dezembro de 1865.
A requerente declara-se casada com o Alferes José Luís Collares, que seguiu em campanha no 14º Corpo Provisório, e deixou seu sobrinho o guarda Boaventura José da Silva para cuidas da família e da casa em sua ausência.
"Diz Deolinda Mª Nunes cazada com o Alf. José Luís Colares, de cujo consórcio tem sete filhos, que tendo o T Cel Sezefredo [Sezefredo Costa Torres] convidado o seu marido para fazer parte do 14º Corpo Provizorio, seu marido lhe observou que não podia marchar por não ter quem ficasse tomando conta de sua casa e família, pelo que o mesmo T Cel lhe declarou que escolhesse uma praça das que estavam acampadas que fosse de sua confiança para ficar tomando conta de sua casa e família, tendo seu marido acedido e escolhido o Guarda Boaventura José da Silva que hoje é casado, o referido T Cel fez ver a V. S.ª que nessa ocazião estava com o comando superior interino e tendo aprovado todo o ocorrido foi acordado que seguiria o Guarda Boaventura até Porto Alegre a fim de voltar com a cavalhada, e à vista desse acordo seguiu seu marido com o Alf. Leonardo Maxado a se reunirem ao respectivo Corpo, acontece que se procedendo a nova reunião das guardas foi chamado o Guarda Boaventura que já está acampado há mais de dois meses ficando a suplicante e sua família em total dezamparo visto que o seu filho mais velho ser menor de dez anos..."
O requerimento foi deferido em 2 de janeiro de 1866, no Palácio do Governo em Porto Alegre.
3. Os Collares de Mostardas, descendentes de Gertrudes
Em 20-11-1825 nasceu, em Mostardas, um menino que recebeu o nome completo do seu padrinho. E seu padrinho foi seu tio Leonardo José Collares, filho do Primeiro Collares.
Esse segundo Leonardo José Collares era filho de Gertrudes Maria Collares, filha do Primeiro Collares, casada em 11-08-1814 com Antônio Francisco da Silva. Leonardo foi tronco de uma tradicional família de pequenos agricultores inicialmente radicados em São Simão, um distrito de Mostardas, e que se acham hoje espalhados por todo o município de Mostardas e municípios vizinhos.
Na verdade, hoje, em São Simão, praticamente não mora nenhum Collares que seja nosso parente. Todos os que encontrei lá eram dos Collares descendentes de Joaquim Ignácio Collares, dos quais logo falarei.
Em 1999, localizei um descendente direto de Leonardo José Collares. Trata-se do Sr. Luiz Mamede Collares, agricultor, que conheci em sua casa, situada à beira da estrada, a 49 Km de Mostardas, no lugar chamado Solidão.
Procurei montar a árvore genealógica desses Collares de Mostardas que são nossos parentes, descendentes de Gertrudes. É a que apresento a seguir.
Simbologia utilizada:
* Local e/ou data de nascimento
† Local e/ou data de falecimento
≈ Local e/ou data de casamento
± Data aproximada ou provável
GERTRUDES MARIA COLLARES nasceu em Mostardas em 01-02-1794, filha de José Luís Colares e de Anna Ignácia de Jesus, e faleceu antes de 1866. Casou-se em Mostardas, em 11-08-1814, com o escrivão Antônio Francisco da Silva, natural da Vila de Pinheiro, Porto, Portugal, onde nasceu cerca de 1784, e que faleceu em Mostardas na noite de 12 para 13 de fevereiro de 1866, talvez vítima da epidemia de cólera. Era filho de João Fernandes da Silva e de Teresa Maria de Jesus. O casal teve, pelo menos, 4 filhos, mas somente dois deles (G-2 e G-3) atingiram a idade adulta e deixaram descendentes em Mostardas e nas redondezas (principalmente no distrito de São Simão).
G-1 Mariano (*Estreito 1819), afilhado do seu tio-avô materno José Matheus de Souza, solteiro, e de Mariana Rosa Joaquina, do Estreito. Tudo indica que faleceu ainda criança.
G-2 José Fernandes da Silva (*Mostardas 1823 †Mostardas 1866, na epidemia de cólera) ≈ (Mostardas 1848) Simpliciana Rodrigues de Mesquita, nascida em Mostardas em 03-11-1826, filha de Francisco Rodrigues de Mesquita e de Maria Nunes de Souza. José Fernandes da Silva teve por padrinhos o tio materno José Luís Collares e sua mulher Luciana Maria da Conceição (o batizado se deu em 02-06-1823). Simpliciana ainda era viva em 1876. O casal teve pelo menos 3 filhos, mas apenas dois atingiram a idade adulta, que foram:
G-2.1 Francisco Collares da Silva (*Mostardas 1849). Tudo o que pude descobrir é que era vivo e estava solteiro em 1876.
G-2.2 Gertrudes Collares da Silva (*Mostardas 1850). Tudo o que pude descobrir é que era viva e estava solteira em 1876.
G-2.3 Novelino Collares da Silva (*Mostardas 1858). Tudo o que pude descobrir é que em fins de 1866 já era falecido.
G-3 Leonardo José Collares (*Mostardas 20-11-1825), afilhado de seu tio materno Leonardo José Collares e de sua mulher Silvana Maria da Conceição. Quanto à data do seu falecimento, só posso dizer que foi entre 1877 e 1915. Casou-se em Mostardas, em 07-09-1854, com Maria Gonçalves de Souza, filha de José Gonçalves de Souza (filho de Agostinho de Souza e afilhado de José Luís, o Primeiro Collares) e de Ana Maria Luíza. Parece que Maria Gonçalves de Souza morreu por volta de 1932. O casal teve os filhos:
G-3.1 Antônio José Collares, que também foi conhecido por Antônio Leonardo Collares (*São Simão, Mostardas 24-08-1851 †Mostardas 24-06-1915). Acredito que seja aquele misterioso Antônio Collares que aparece numa foto ao lado do coronel maragato Mateus Collares, na Revolução de 1893 ([ii]), e também como autor de um manifesto monarquista publicado no jornal Cruzeiro do Sul, de Bagé, em janeiro de 1890 ([iii]). Casou-se com sua prima-irmã Maria Joaquina do Amaral (*Mostardas 1854 †Mostardas 14-08-1924), filha de Pacífico José do Amaral e de Joaquina Gonçalves de Souza (sua tia materna). O casal viveu no Rincão da Figueira. Em 1932, eram vivos os seguintes filhos:
G-3.1.1 José Antônio Collares (Zeca) (*Mostardas ±1890) ≈ Maria Amália da Silva.
G-3.1.2 Maria Collares do Amaral (Marica) (*Mostardas ±1891) ≈ Algenor Joaquim Teixeira.
G-3.1.3 Antônia Maria Collares (*Mostardas±1892) ≈ Manoel Luiz da Silva, irmão de Maria Amália da Silva, mulher de G-3.1.1).
G-3.1.4 Joaquina Maria Collares (Quinota) (*Mostardas ±1894) ≈ Arquimiano Joaquim de Araújo.
G-3.1.5 Josino Antônio Collares (*Mostardas ±1902 †aos 72 anos) ≈ Luciana da Silva Terra (†aos 93 anos). O casal teve pelo menos estes 4 filhos:
G-3.1.5.1 Mariano da Silva Collares (*Valim, Mostardas 1925).
G-3.1.5.2 Antônio Josino Collares (*Mostardas 1930 †Mostardas ±1992),
G-3.1.5.3 Edegar Josino Collares (*Mostardas ±1932 †Rio Grande).
G-3.1.5.4 Manoel Josino Collares (*Mostardas ±1933 †São Caetano), com descendência em Rio Grande.
G-3.2 Eufrázia (*Mostardas 25-05-1858).
G-3.3 Gertrudes Maria Collares (*Mostardas 1859) ≈ José Maria de Araújo, filho de José Antônio de Araújo e de Maria Dorotéia da Costa. O casal viveu no Passo do João da Costa Chaves, em São Simão, e teve os seguintes filhos:
G-3.3.1 José Maria de Araújo Filho, também conhecido por José Collares de Araújo (*Passo João da Costa, Mostardas 11-12-1894) ≈ Virgínia Dias de Farias, filha de Luís Dias da Costa e de Venância Dias de Farias. O casal teve, pelo menos, os filhos:
G-3.3.1.1 Haroldo José Dias (*Tunas, Mostardas 25-04-1929).
G-3.3.1.2 Getúlio José Dias (*Tunas, Mostardas 12-11-1931).
G-3.3.1.3 Ary José Dias (*Butiás, Mostardas 04-09-1934).
G-3.3.1.4 Dorval José Dias (*São Simão Velho, Mostardas 18-12-1940).
G-3.3.2 Maria Júlia de Araújo ≈ Patrício Fernandes de Mesquita, filho de Francisco Fernandes de Mesquita e de Maria Ignácia Soares. O casal viveu nos Teixeiras (São Simão) e teve, pelo menos, os filhos:
G-3.3.2.1 Ângelo Araújo de Mesquita (*Teixeiras, Mostardas 18-03-1916).
G-3.3.2.2 João de Araújo Mesquita (*Passo João da Costa, Mostardas 27-04-1929).
G-3.3.2.3 Enilce Araújo Mesquita (*Teixeiras, Mostardas 18-02-1931).
G-3.3.3 Leonardo Collares de Araújo (*Passo João da Costa, Mostardas 02-08-1903) ≈ Maria Vieira Fraga, filha de Sebastião Caetano Fraga e de Ubaldina Vieira Netto. O casal viveu no Passo João da Costa, e teve, pelo menos, os filhos:
G-3.3.3.1 José Fraga Collares (*Passo João da Costa, Mostardas 09-07-1933),
G-3.3.3.2 Domingos Fraga Collares (*São Simão, Mostardas 14-04-1935).
G-3.3.3.3 Aulino Fraga Collares (*São Simão, Mostardas 16-06-1937).
G-3.3.4 Corina Collares de Araújo ≈ José Aleixo da Silva, filho de Aleixo Antônio da Silva e de Luíza Ana Caetano. Parece que viveram em São Simão. Tiveram a filha
G-3.3.4.1 Luíza Collares da Silva (*São Simão, Mostardas 26-08-1913) ≈ José Neto da Costa, filho de Normélio José da Costa e de Maria Luíza Teixeira Neto. Luíza e José tiveram, os filhos: G-3.3.4.1.1 Maria Catarina Soares da Costa (*Butiás, Mostardas 05-07-1937); G-3.3.4.1.2 Eni Terezinha Neto da Costa (*Pantano, Mostardas 20-07-1938); G-3.3.4.1.3 José Collares Neto (*Butiás, Mostardas 29-08-1939); G-3.3.4.1.4 Cecília Collares Neto (*Butiás, Mostardas 22-05-1941).
G-3.3.5 Ladislau Collares de Araújo ≈ Doralice Fernandes da Costa, ou de Mesquita, filha de Pompeu José da Costa e de Maria José Fernandes de Mesquita. Tiveram, pelo menos, os filhos:
G-3.3.5.1 Enírio Mesquita de Araújo (*São Simão Velho, Mostardas 18-07-1933).
G-3.3.5.2 Dari Fernandes de Araújo (*São Simão Velho, Mostardas ±1935-1940).
G-3.3.6 Filomena Collares Teixeira ≈ Rosendo Luís Teixeira, filho de Joaquim Luís Teixeira e de Maria Joaquina Vieira (ou Netto). Viveram no São Simão Velho, tendo os filhos:
G-3.3.6.1 Virgínia Collares Teixeira (*São Simão Velho, Mostardas 24-10-1934).
G-3.3.6.2 Rosalvo Collares Teixeira (*São Simão Velho, Mostardas 10-11-1937).
G-3.4 Leonardo José Collares (*Mostardas 1862) ≈ Maria Leonor, filha de Manoel Gonçalves (talvez filho de José Gonçalves de Souza) e de Leonor Collares Gonçalves. O casal viveu no Valim (logo ao nordeste de Mostardas) e teve os filhos:
G-3.4.1 Antônio Leonardo Collares ≈ Ignácia Bernardina de Araújo, filha de Joaquim Antônio de Araújo e de Ignácia Bernardina de Araújo. Viveram no Rincão da Figueira e depois no Posto, e tiveram os filhos:
G-3.4.1.1 Luíza de Araújo Collares (*Rincão da Figueira, Mostardas 20-12-1930).
G-3.4.1.2 Oscar Antônio de Araújo Collares (*Posto, Mostardas 10-10-1932).
G-3.4.2 Leonardo José Collares Filho (*Valim, Mostardas 26-08-1900) ≈ Adelina Brum, filha (natural?) de Florinda Altina da Silva Brum. Viveram no Rincão da Figueira e depois nos Povos, e tiveram os filhos:
G-3.4.2.1 Maria Brum Collares (*Rincão da Figueira, Mostardas 11-08-1933).
G-3.4.2.2 Luiz Mamede Collares (*Rincão da Figueira, Mostardas 17-08-1934).
G-3.4.2.3 Rosália Brum Collares (*Povos, Mostardas 08-05-1936).
G-3.4.2.4 Leonor Brum Collares (*Povos, Mostardas 17-11-1937).
G-3.4.2.5 Cornélia Brum Collares (*Povos, Mostardas 20-10-1940).
G-3.4.3 Laurindo José Collares (*Valim, Mostardas 31-12-1906) ≈ Lídia Dias, filha de Pedro Dias da Costa e de Delfina Dias da Costa. Tiveram, pelo menos, os filhos:
G-3.4.3.1 Maria Delfina Colares (*Valim, Mostardas 18-05-1941).
G-3.4.3.2 Dinarte (morador na Tapera, entre Mostardas e Tavares).
G-3.4.3.3 Juvêncio.
G-3.4.3.4 Edegar.
G-3.4.4 Luís José Collares, deixou descendentes em São José do Norte (um dos filhos se chamava Dinarte).
G-3.4.5 Manoel José Collares, deixou descendentes em São José do Norte.
G-3.5 Josino José Collares (*Mostardas 28-07-1865).
G-3.6 Francisca Maria Collares (*Mostardas 09-03-1870). Parece que não se casou; teve a filha única
G-3.6.1 Laurinda Maria da Silva ≈ Francisco Antônio da Silva, filho de Luiz Miguel da Silva e de Maria Antônia. Laurinda e Francisco viveram na localidade chamada Solidão, e tiveram, pelo menos, os filhos:
G-3.6.1.1 Edelvina Laurinda da Silva (*Valim, Mostardas 08-07-1913), casada com um Bittencourt.
G-3.6.1.2 Maria Laurinda da Silva (*Valim, Mostardas 06-06-1916), casada com Luís José Collares (Bica).
G-3.6.1.3 Manoel Antônio da Silva (*Solidão, Mostardas 08-06-1930) ≈ Rosa Lima da Silva. Viveram na Solidão.
G-3.6.1.4 Crespo Antônio da Silva.
G-3.6.1.5 Luís Antônio da Silva.
G-3.6.1.6 Francisco Antônio da Silva Filho.
G-3.6.1.7 Elzo Antônio da Silva.
G-3.6.1.8 Laurinda Maria da Silva (*Solidão, Mostardas 26-09-1939), casada com um Barbosa.
G-3.7 Joaquim José Collares (*Mostardas 16-07-1872).
G-4 Francisca(*Mostardas 1828), quarta e última filha de Gertrudes Ignácia Collares e Antônio Francisco da Silva, foi afilhada de Severino Teixeira Brasil e de sua mulher Gertrudes Maria de Oliveira (batizado ocorrido em 09-09-1828). Parece que faleceu ainda criança.
4. Os Collares de Mostardas, descendentes de Joaquim Ignácio Collares
Em 1991 eu tinha ido morar (pela primeira vez) em Porto Alegre. Meu local de trabalho ficava perto do Arquivo Público, e passei a ir lá quase diariamente, nos meus horários de almoço, para pesquisar nos processos de inventário de Mostardas.
Como naquele tempo eu ainda não sabia que o Primeiro Collares tinha morrido sem deixar bens, esperava encontrar o seu inventário.
Porém o mais antigo inventário de um Collares que encontrei em Mostardas foi de um tal Joaquim Ignácio Collares, que morrera em 1857.
Eu já conhecia a árvore genealógica de Rheingantz, e sabia que aquele Joaquim Ignácio não aparecia nela. Mas, se não era nosso parente, por que se chamava Collares? Teria também vindo da Vila de Colares? Ou teria sido um filho de José Luís, havido fora do casamento? Um afilhado? O lendário irmão que tinha ido para o norte?...
Para aumentar o mistério, a mulher dele se chamava Gertrudes Ignácia Collares, mesmo nome da filha de José Luís. Será que aquele Joaquim passara a ser conhecido como Collares por ter-se casado com Gertrudes?
As respostas para essas perguntas eu só vim a descobrir na fase conclusiva de minhas pesquisas, entre 1996 e 1998. Numa de minhas idas a Rio Grande, consegui localizar o registro do batismo de Joaquim, e, no Arquivo Público de Porto Alegre, consultei, além do seu inventário, também os de sua mãe, de seu pai e do pai de seu pai ([iv]).
Joaquim Ignácio Collares, assim como todos os seus irmãos (todos mais velhos), nasceu no Estreito, em 13-03-1793, e foi o último filho de José Machado Pereira e de Anna Maria de São José. No Livro n.° 1 de Batismos da Vila do Estreito, que consultei, o nome do padrinho estava ilegível, pois essa parte da folha estava bastante comida pelos cupins; mas pude ter certeza de que o padrinho não havia sido José Luís Colares. Parece que foi Francisco, o tio paterno de Joaquim.
A mãe de Joaquim, Anna Maria de São José, era natural do Rio Grande, filha de Manuel José da Luz e de Mariana de São José, casal açoriano proveniente de Santo Cristo da Praia, Ilha do Faial. O pai de Joaquim, José Machado Pereira, nascera no Rio Grande em 21-03-1757, filho de Francisco Machado e de Maria de Jesus, outro casal açoriano, proveniente de Rosais, na Ilha de São Jorge. Tanto José Machado Pereira como seus pais são referidos pelo genealogista Moacyr Domingues em seu trabalho Antigas Famílias Patrulhenses,inserido no livro Presença Açoriana em Santo Antônio da Patrulha e no Rio Grande do Sul, organizado por Vera Lúcia Maciel Barroso (Porto Alegre, EST, 1993, páginas 175-176).
Joaquim perdeu o pai em 26-11-1793, quando contava apenas 8 meses de idade. No inventário do avô Francisco Machado, que é de 1816, Joaquim, que então acabava de atingir a maioridade, tendo completado 25 anos, é o único de todos os 20 herdeiros (entre filhos e netos do falecido) a aparecer com o sobrenome Collares. Já no inventário da mãe, Anna Maria, que é de 1843 (ela morreu no Natal de 1842), todos os 3 filhos homens aparecem com o sobrenome Collares ([v]). No inventário do próprio Joaquim, de 1857, seu irmão Francisco aparece novamente com o sobrenome Collares; seu irmão Manoel, que já era falecido, aparece apenas com o Machado, mas todos os 4 filhos desse Manoel (dois homens e duas mulheres) são Collares.
Portanto, Joaquim Ignácio foi o primeiro a se chamar Collares, sendo depois disso imitado pelos irmãos e sobrinhos.
Onde mais aparecem irmãos e sobrinhos de Joaquim com o sobrenome Collares é no inventário de Joaquim. É que, nesse inventário, os herdeiros foram esses irmãos e sobrinhos, já que Joaquim, quando morreu, não deixou filhos legítimos.
Joaquim Ignácio Collares foi casado com uma Gertrudes, da família Costa, que depois passou a ser conhecida como Gertrudes Ignácia Collares. Por volta de 1830, o casal se transferiu do Estreito para Mostardas, onde Joaquim se estabeleceu como comerciante.
Joaquim e Gertrudes chegaram a ter uma filha em Mostardas, Ana, nascida em 07-04-1840, que porém morreu ainda bebê; depois disso Gertrudes contraiu uma doença mental ([vi]), sendo certo que o casal não deixou descendentes.
A pergunta é: por que cargas d'água Joaquim, ainda antes de 1816, passou a se chamar Collares?...
Acho que esse mistério nunca será desvendado. No entanto, nada nos impede de imaginar algumas hipóteses.
A hipótese mais simples me parece que seria esta: Joaquim teria sido criado por Anna Ignácia de Jesus, junto com os pequenos José Luís, Leonardo e Gertrudes. Por isso adotou o segundo nome Ignácio (em homenagem à mãe de criação) e o sobrenome Collares.
Talvez José Luís Colares fosse amigo de José Machado Pereira, e, quando este morreu em 1793, levou Joaquim para criar em Mostardas. Ele já tinha dois filhos igualmente pequenos, José Luís, nascido em 1790, e Leonardo, nascido em 1792. Anna Ignácia de Jesus ainda tinha leite, e portanto poderia amamentar o pequeno Joaquim, que tinha oito meses.
Imaginei também outra hipótese, que é a seguinte.
Vivia, no Estreito, um capitão de nome João Ignácio Xavier. Um filho desse capitão, nascido em 1791 e chamado Antônio Ignácio Xavier, foi testemunha de José Matheus de Souza em 1819, no processo ([vii])pelo qual José Matheus entrou na posse da herança deixada por seu pai Matheus de Souza. Isso prova que José Matheus de Souza, que era o irmão caçula da viúva Anna Ignácia de Jesus (ele nasceu em 1787), mantinha relações mais ou menos estreitas com a família Xavier na década de 1810 a 1820. Por outro lado, sabemos, pelo inventário de Matheus de Souza, que José Matheus de Souza era soldado miliciano e que participou do cerco de Montevidéu em 1811. Talvez tenha ido para a guerra junto com aquele Antônio Ignácio Xavier, que em 1811 tinha já 20 anos, e talvez tenham sido comandados pelo próprio capitão João Ignácio Xavier, pai desse Antônio. Se foi assim, então José Matheus de Souza devia ter entrada franca na casa dos Xavier. É possível, assim, que, através de José Matheus de Souza, os seus sobrinhos José Luís Collares e Leonardo José Collares tenham travado amizade com um ou mais dos filhos do Capitão Ignácio Xavier, ou de alguém mais que eventualmente morasse ou frequentasse a casa daquele militar.
Agora vejamos mais isto. Esse capitão João Ignácio Xavier era compadre ([viii])e concunhado ([ix])de José Machado Pereira, pai de Joaquim Ignácio Collares. Quando, em 1793, José Pereira Machado morreu, quem foi nomeado inventariante foi, justamente, o Capitão João Ignácio Xavier. E foi ele também que ficou de tutor dos órfãos. Não é impossível, portanto, que João Ignácio Xavier tenha ajudado de alguma forma na criação do pequeno Joaquim, que era o caçula dos órfãos (tinha só oito meses de idade). E talvez tenha sido por isso que Joaquim tenha adotado um nome composto, passando a chamar-se Joaquim Ignácio. Homenagem a João Ignácio Xavier.
Não é nada impossível que Joaquim tenha mesmo sido criado na casa dos Xavier, ou pelo menos frequentado bastante a casa. Nada impossível que tenha, assim, travado relações com José Matheus de Souza, e, por intermédio deste, com os irmãos José Luís e Leonardo José Collares, que eram praticamente da mesma idade que Joaquim.
Não é impossível, por fim, que Joaquim Ignácio Machado, José Luís Collares e Leonardo José Collares tenham, por volta de 1810, quando tinham entre 17 e 20 anos de idade, trabalhado juntos. Teria sido aí que Joaquim Ignácio passou a ser mais conhecido por Collares do que por Machado. E quando os irmãos José Luís e Leonardo passaram a se dedicar mais às tropeadas pela campanha gaúcha, Joaquim Ignácio Collares ficou como uma espécie de representante dos Collares em Mostardas...
Muitos anos depois, em 1842, quando Severino Teixeira Brasil morreu em Mostardas, uma das testemunhas do seu testamento foi Joaquim Ignácio Collares, o que prova que ele continuava ligado aos Brasil e aos Collares.
Terá sido assim? Quem sabe!...
Exemplos desse costume de “pegar” o sobrenome de um parceiro de negócios não faltam. David José Martins, bravo combatente da Guerra de 1825, tomou parte na Guerra dos Farrapos, a partir do ano de 1836, e se tornou general farroupilha com o nome de David Canabarro. Mudou de sobrenome por causa de seu tio, Antônio Canabarro, que lutara com ele em 1825, e do qual se tornara sócio numa loja comercial, em Quaraí ([x]).
Alguns irmãos de Joaquim Ignácio Collares passaram a ser conhecidos como Collares e deixaram descendentes, não só no Estreito e em Mostardas ([xi]), mas também em Pelotas, e talvez ainda em Rio Grande.
Bem, mas, como já vimos, Joaquim Ignácio Collares não deixou filhos legítimos. Como é, então, que hoje, em Mostardas, existem tantos Collares que não são nossos parentes? Qual é a origem dos Collares de Mostardas?
Os Collares de Mostardas surgiram a partir de cinco ou mais filhos naturais que Generosa Maria de Oliveira teve em Mostardas. Ela era natural de Torres, filha de Manoel Joaquim de Barcellos e de Maria Joaquina de Oliveira, de Santa Catarina, e tinha em Mostardas uma irmã, Ana, casada (em 1837) com Camilo Barbosa de Vasconcellos.
A primeira filha foi Prudência, nascida em 06-04-1843; depois nasceu José de Oliveira Collares, em 28-10-1846, que ficou rico e teve 10 filhos e filhas, para os quais deixou grande número de propriedades, sendo o antepassado da maioria dos numerosos Collares hoje existentes em Mostardas.
Dos demais filhos de Generosa eu não encontrei o registro de nascimento, mas posso afirmar que são filhos dela com base nos registros de nascimentos dos netos, bem como em inventários e em registros de óbitos.
Por volta de 1848, Generosa teve o filho Genoíno Ignácio Collares, que foi para Sombrio, em Santa Catarina, onde deixou larga descendência. Outro filho de Generosa que também deixou descendência (em Mostardas) foi Gervásio de Oliveira Collares. Além destes, Generosa foi mãe de Joaquina, que foi casada com o faroleiro de Mostardas, de quem não teve filhos, e também de uma Ana.
Agora, a pergunta: por que cargas d'água os filhos naturais de Generosa Maria de Oliveira se chamaram Collares?...
Bem, não posso dizer que tenho a resposta, mas acho que tenho uma boa hipótese...
Se compararmos os mais antigos dados genealógicos dos Collares de Mostardas com as informações contidas no inventário de Joaquim Ignácio Collares, de 1857, descobriremos um punhado de coincidências que nos farão pensar que esse mistério não é tão impenetrável assim...
Dois dos filhos de Generosa, José e Ana, casaram-se na família Zacarias Pereira. Isso é um bom indício de que as terras onde esses Collares se criaram deviam ser vizinhas das dos Zacarias Pereira.
Joaquim Ignácio Collares, ao morrer, deixou 750 braças de terras no Rincão de Guamás. Essas terras confrontavam-se ao norte com a Lagoa de Guamás, a leste com o Passal dos Párocos, a oeste com o Rincão de Cristóvão Pereira e ao sul com as terras de... Zacarias Pereira.
Mas a origem dos Zacarias Pereira que se casaram com filhos de Generosa não foi esse Zacarias Pereira que havia sido vizinho de Joaquim Collares. O nome completo deste era Zacarias José Pereira de Andrade, ao passo que o nome do pai dos Zacarias Pereira de que estamos falando era Manoel Zacarias Pereira, que por sua vez era filho de pais incógnitos.
Mas, se era filho de pais incógnitos, por que seu sobrenome era Zacarias Pereira, e por que seus filhos se chamaram também Zacarias Pereira, em vez de simplesmente Pereira?
Note-se que, em Mostardas, todos chamavam Zacarias José Pereira de Andrade de Zacarias Pereira, simplesmente. No inventário de sua filha Felicidade ([xii]), que é do ano de 1855, assim como no inventário de Joaquim Ignácio Collares, ele é citado sempre como Zacarias Pereira; quase nunca aparece com o nome completo.
Acho bastante provável que Manoel Zacarias Pereira, que era filho de pais incógnitos, tenha sido, ou filho natural de Zacarias Pereira, ou exposto em casa deste ao nascer, ou por este apadrinhado, ou tudo isso junto. Acho provável, também, que tenha vivido e criado seus filhos nas terras de Zacarias Pereira, mesmo que na condição de simples agregado, sem direito a herança.
Segundo o inventário, das 750 braças que Joaquim Ignácio Collares possuía ao norte das terras onde os Zacarias Pereira moravam, 200 estavam em litígio ([xiii]). E elas ficavam ao sul das restantes 550, o que quer dizer que eram lindeiras com as terras de Zacarias Pereira.
Minha teoria é a seguinte. Gertrudes, esposa legítima de Joaquim Ignácio Collares, ficou doente pelo final de 1840, depois que perdeu a única filha que havia conseguido ter. Com a doença da mulher, Joaquim Ignácio Collares se aproximou de Generosa Maria de Oliveira, que acabava de chegar de Torres para morar com a irmã, casada em 1837. Em 1842, montou um rancho para Generosa nas 200 braças de terras que possuía no Rincão de Guamás, e que estavam em litígio, lindeiras das terras de Zacarias Pereira.
Note-se que os cinco filhos que Generosa teve nasceram entre 1843 e 1857, ou seja, depois da doença de Gertrudes, e antes do falecimento de Joaquim...
Se minha teoria está correta, então os Collares de Mostardas seriam descendentes de Joaquim Ignácio Collares e de Generosa Maria de Oliveira.
O meu amigo e correspondente Edimilson Pereira Collares, de Sombrio (SC), que desde antes de 1999 (ano em que o conheci) vem pesquisando a história e a genealogia dos Collares de lá, encontrou, no segundo semestre de 2003, a certidão de óbito de Genoíno Ignácio Collares, o antepassado de todos os Collares de Sombrio. Nesse precioso documento, do ano de 1918, consta que Genoíno era filho de Ignácio Collares e de Generosa Barcellos de Oliveira.
Acho que essas ligeiras diferenças de nomes podem ser explicadas pelo fato de que a pessoa que informou ao escrivão os nomes dos pais do falecido jamais os conhecera pessoalmente, de maneira que só se recordava dos nomes vagamente, pelas histórias que o falecido lhe contara. Na verdade, essa pessoa não soube informar nem mesmo o lugar de onde Genoíno tinha vindo; na certidão, no espaço reservado para registrar o lugar de nascimento de Genoíno, está escrito "nada consta".
O informante, que ditou o que sabia para o escrivão, tinha ouvido o falecido falar muito da mãe, tanto que sabia inclusive que era da família Barcellos, e registrou Generosa Barcellos de Oliveira. Não sabia bem o nome do pai, o que é compreensível, visto que o pai, além de pai natural, não esteve muito presente na criação e no destino do filho, já que Joaquim Ignácio Collares morreu casado com Gertrudes (ele morreu em 1857, ela em 1860).
Joaquim Ignácio Collares, pelo que se vê do seu inventário e de outros documentos de vendas de imóveis, foi um comerciante de destaque da antiga Mostardas. Foi um homem empreendedor, que iniciou a vida no Estreito, como parceiro dos dois irmãos Collares no negócio de mulas. Além de serem todos mais ou menos da mesma idade, morreram todos mais ou menos na mesma época: Joaquim em 1857, Leonardo em 1858 e José Luís em 1859.
5. Os Collares Negros do Bojuru
Compulsando os primeiros livros de nascimentos do Registro Civil de Mostardas, de São José do Norte e de seus distritos, é possível encontrar alguns troncos de Collares de cor negra. Observei que os troncos mais importantes têm suas raízes no Bojuru, que era o 2º Distrito de São José do Norte, situado entre essa cidade e o Estreito.
A hipótese mais provável é que todos esses Collares, cujos filhos e netos são referidos nos registros civis como negros ou "de cor mista", tivessem sido escravos dos Collares de Mostardas (talvez de José de Oliveira Collares, que foi proprietário de muitas terras). Ao serem libertados da escravidão, em 1888, teriam adotado o sobrenome dos antigos senhores. Alguns deles aparecem também com o Ignácio no nome, o que também remete para os Collares de Mostardas. Ocorrem também muitos sobrenomes Xavier, o que me faz pensar numa tradição que remonta ao Capitão João Ignácio Xavier, a Joaquim Ignácio Collares e à antiga sociedade deste com os dois irmãos Collares (José Luís e Leonardo) no negócio de mulas.
Os principais e mais antigos troncos de Collares Negros do Bojuru são os seguintes:
I ─ Izolina Collares Machado
Casou-se com Adão Bento Machado, que também era negro, por volta de 1892.
Adão morreu em 31 de julho de 1924, aos 99 anos de idade, em sua residência no Capão do Meio, às 10 horas da manhã, de morte natural. Foi sepultado no Cemitério Público do Estreito, 3° Distrito de São José do Norte.
O inventário de Adão Bento Machado se acha na seção referente a São José do Norte, Cartório do Cível e Crime, processo n° 506, maço 13, ano 1926. Foi inventariante a viúva Izolina.
O casal possuía um campo de 70 metros de frente por 3.000 metros de fundos (21 hectares), avaliado em Rs. 630$000, limitando-se: ao norte, com herdeiros de Idalino Ignácio Collares (de quem abaixo eu falarei); ao sul, "com quem de direito"; ao oeste, com a Lagoa dos Patos; e, a leste, com herdeiros de Heliodoro Ignácio Soares.
Izolina Collares Machado faleceu em 09-12-1927. Na partilha amigável dos bens (São José do Norte- Cartório do Cível e Crime - Processo n.° 522 - maço 14 - ano 1929), aparecem 2 filhos que tivera antes de sua união com Adão.
Consultando, no Arquivo Público, os inventários de Adão e de Izolina, e também os primeiros livros de nascimentos do 2º Distrito de São José do Norte, eu apurei que Izolina foi mãe de:
1. Manoel Ignácio Collares, filho de pai ignorado. Em 1929 se achava casado com Lucília Rodrigues, filha de Leonídia Rodrigues. O casal residiu no Bojuru, onde tiveram a filha Otília Rodrigues Collares, a qual, por sua vez, teve o filho natural Jacy Collares, nascido no Bojuru em 27-08-1929. Outro filho do casal, irmão de Otília, foi Alfredo Collares dos Santos, nascido no Bojuru em 28-08-1901.
2. Lúcia Collares Machado, filha de pai ignorado. Em 1929 se achava casada com um certo Miguel Luiz Collares.
3. Juliana Collares Machado, a primeira filha do casal Adão e Izolina. Em 1926, quando tinha 33 anos, já se achava casada com Cipriano Antônio da Silveira, de quem teve, em 05-03-1930, no Bojuru, o filho Delciolino da Silveira.
4. Izolina Collares Machado (filha), que em 1926, quando contava 31 anos, já se achava casada com Henrique Marcellino da Silveira Filho. O casal teve, no Bojuru, em 23-07-1929, a filha Leontina da Silveira.
5. João Collares Machado, que em 1926, quando contava 28 anos de idade, se achava solteiro, e em 1929 estava casado com Francelina Demétrio Xavier.
6. Cecílio Collares Machado. Nasceu em 1897. Serviu no 9º Regimento de Infantaria. Em 1929 ainda se encontrava solteiro.
Esse último filho, Cecílio, aparece como Cecília tanto no inventário de Adão como na partilha dos bens de Izolina. Neste último processo consta um documento, com data de 30-07-1927, no qual Izolina se refere ao "meu filho Cecílio".
Durante o período de sua doença, Izolina tomou dinheiro emprestado, para comprar seus remédios, de um certo Marçal Rodrigues da Costa. Quando morreu, tudo o que deixou mal dava para pagar a dívida. E assim foi que todos os bens inventariados acabaram adjudicados a esse Marçal Rodrigues da Costa, nada restando para ser dividido pelos herdeiros.
A partilha foi amigável – mesmo porque, na verdade, não havia nada a partilhar...
II ─ Idalino Ignácio Collares
Idalino possuiu terras coladas às de Adão Berto Machado e Izolina Collares Machado, como consta no inventário de Adão, acima referido. Por esse inventário, aliás, ficamos sabendo que Idalino já era falecido em 1926. Talvez fosse irmão de Izolina, ou ex-escravo do mesmo senhor de Izolina.
Idalino Ignácio Collares foi casado com Marfisa Florinda Collares, e foi pai de, pelo menos, cinco filhos:
1. Josino Ignácio Collares, casado com Carmen Balbina Collares, que por sua vez foram pais de José Francisco Collares, nascido no Bojuru em 22-07-1910.
2. Antônio Ignácio Collares, casado com Christina Collares, pais de Wilma Antônia Collares, nascida no Bojuru em 08-08-1929.
3. Maria Collares da Silva, casada com Theotônio José da Silva, pais de Jocely Collares Silva, do sexo masculino, nascido no Bojuru em 19-10-1929.
4. Idalina Ignácia Collares, casada com Luiz Francisco da Conceição, pais de Luís Francisco da Conceição, nascido no Bojuru em 09-04-1930.
5. Outubrina Collares Xavier, casada com Deoclécio Silva Xavier, pais de Marfisa Edna, nascida no Bojuru em 09-04-1930.
III ─ Turíbio Ignácio Collares
Casado com Júlia Ignácia Maria, foram pais de Nayr Maria Collares, que por sua vez teve, de pai ignorado, a filha Carmem Nayr Collares, nascida no Bojuru em 21-07-1930.
IV ─ Francisco Ignácio Collares, de quem não encontrei nenhum descendente até 1932.
V ─ Christina Collares Xavier
Casada com Victorino Francisco Xavier, deixou vários filhos:
1. Virgilino Collares Xavier, casado com Jovem dos Santos Xavier, pais de Jovelina Xavier, nascida no Bojuru em 02-10-1929
2. Herculano Francisco Xavier, casado com Antonina Silva, pais de Zulma, nascida no Bojuru em 27-03-1930.
3. Maria Francisca Xavier, casada com Horácio Pedro Xavier, que foram pais de: 1) Laury Chrispim Xavier, nascido no Estreito em 15-12-1919; 2) Maria Gercy Xavier, nascida no Estreito em 04-01-1931; e de 3) Vicente Ignácio Xavier, nascido no Estreito em 22-02-1932.
6. Os Collares Negros das Palmas
Palmas é o nome do distrito do município de Bagé onde os dois filhos homens do Primeiro Collares vieram fincar raízes por volta de 1809.
Entre os Collares negros das Palmas, uma das famílias mais conhecidas é a que se originou de um escravo ou escrava de Thomás José Collares, filho mais velho de Leonardo José Collares, na Fazenda Santa Benigna. Pertencem a essa família uma turma de irmãos que se tornaram famosos, cada qual a seu modo, lá pela década de 1950. Foram eles Amâncio Collares, o célebre Morcego, de muitas histórias([xiv]); o Trajano Collares, mais conhecido como Trajano Toca, porque tocava, em sua gaita de oito baixos, sempre a mesma e única música: O tatu subiu no pau / É mentira de você / O pau tava deitado / Isso sim que pode sê... Por fim, o José Luís Collares, de apelido Zeca Collares, excelente violonista, que foi para Porto Alegre e por muito tempo tocou violão no primeiro programa gauchesco da Rádio Farroupilha, que era apresentado pelo famoso tradicionalista Paixão Côrtes.
Mas a mais conhecida família de Collares Negros das Palmas surgiu pela segunda década do século XX, sendo portanto a mais recente de todas as de que até agora falamos. Tornou-se a mais famosa de todas as famílias Collares – brancos ou pretos – graças ao seu mais ilustre membro, o político trabalhista Alceu de Deus Collares, que chegou a ser governador do Rio Grande do Sul.
A origem dessa família é relatada no precioso livro de Antônio Silveira Pires, Palmas da Gente, Guardados da Memória, 2º volume, págs. 250-251. Passo a recontar essa história, acrescida de alguns detalhes que eu descobri no inventário de Affonso José Collares.
Maria Cândida, filha de Félix e de Firmina, foi ainda menina para Cacimbinhas (atual Pinheiro Machado) e de lá voltou grávida, sem nunca dizer de quem. Nas Palmas, deu à luz um menino a quem chamou de João, que logo foi pego para criar por Sia Rufina. Era pelo ano de 1912, quando Affonso José Collares era o único nas Palmas que possuía um automóvel. Este automóvel lhe foi dado de graça pelas famílias das Palmas, que se cotizaram e o compraram. O motivo desse presente foi que Antônia Bento de Miranda, mulher de Affonso, era perita em receitar remédios caseiros, e muitas vezes saía a cavalo, com frio e chuva, para atender doentes. O automóvel era, então, para Antônia ter mais comodidade quando prestasse esses inestimáveis atendimentos. Mas passou a servir para todo tipo de atendimento, como viagens a Lavras para consultas médicas, por exemplo. Assim, Sia Rufina pediu a Affonso que levasse a ela e ao pequeno João para Bagé, a fim de batizar e registrar a criança. Assim foi feito. Como disse, calculo que isso tenha acontecido por volta de 1912. Chegando ao cartório, em Bagé, o oficial perguntou a Rufina sobre o nome do pai. Embaraçada, ela contou a verdade, que não sabia quem era, pois Maria Cândida continuava mantendo segredo. Que sobrenome, então, deveria botar no menino? Foi então que Affonso interveio, dizendo: ― Bota Collares, para sair um homem bom! E assim ocorreu: o menino foi registrado João de Deus Collares, e realmente saiu um homem bom. Casou-se com Severina Rodrigues, também das Palmas, foi para Bagé e lá lhe nasceram os filhos, entre os quais Alceu de Deus Collares, Governador do Rio Grande do Sul no período 1991-1994.
NOTAS:
[i] O genealogista José Luiz Collar Filho encontrou, em Rio Grande, o registro do falecimento, em 1744, de Ignácio Gonçalves Collares, que era natural da Vila de Colares. Este, que pode até ter vindo nos navios de Silva Paes em 1737, há que ser considerado o primeiro Collares do Rio Grande do Sul. Mas parece que não é o antepassado de nenhuma família Collares hoje existente.
[ii] Refiro-me à foto que aparece no livro História de Bagé, de Eurico Jacintho Salis.
[iii] Esse manifesto é reproduzido por Eurico Jacintho Salis em sua História de Bagé.
[iv] Inventário de Joaquim Ignácio Collares: Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul, estante de São José do Norte, Cartório de Órfãos e Ausentes, processo n.° 399, maço 15, ano 1857. Inventário de José Machado Pereira (pai de Joaquim): mesma comarca e cartório, processo n.° 20, maço 1, ano 1796. Inventário de Francisco Machado (pai do pai de Joaquim): mesma comarca e cartório, processo n.° 83, maço 3, ano 1816. Inventário de Anna Maria de São José (mãe de Joaquim): mesma comarca e cartório, processo n.° 252, maço 10, ano 1843.
[v] Seu nome completo era Francisco Marques Collares. Casou-se, envolveu-se na Revolução Farroupilha, foi capturado em 1837 e mandado preso para o Rio de Janeiro, de onde retornou alguns anos depois.
[vi] No inventário de Joaquim consta que ela já era "demente" quando o marido faleceu. Essa palavra aparece na forma abreviada: está escrito "...a dem.e Gertrudes Ignácia Collares..." A confirmação de que Gertrudes ficara louca está no Inventário Fiscal aberto por ocasião de seu falecimento, em 1860. Esse inventário está num dos que eu chamo os "maços secretos de Mostardas", que são os maços de números 20 e 21. Na verdade, eles não têm nada de "secretos"; o único problema é que os processos que eles contêm não constam do fichário que o Arquivo coloca à disposição dos pesquisadores.
[vii] Autos de Justificação de José Matheus de Souza. Arquivo Público de Porto Alegre, estante de São José do Norte, Cartório do Cível e Crime, processo n.° 589, maço 20, ano 1819.
[viii] Foi o padrinho de um dos irmãos de Joaquim, de nome José, nascido em 08-08-1781, que veio a falecer em 16-01-1798, aos 16 anos.
[ix] Era casado com Maria Jacinta de São José, irmã de Anna Maria de São José.
[x] Cf. Alfredo Varela, Revoluções Cisplatinas, Livraria Chardron, Porto, 1915, volume II, pág. 834, nota 1.
[xi] Ana Collares, uma irmã de Joaquim Ignácio Collares, foi casada com Gotardo Joaquim Manoel. Segundo Varela (Revoluções Cisplatinas), esse Gotardo, juntamente com Domingos Gonçalves Chaves, era farroupilha, tendo sido incumbido de mobilizar Mostardas para o 20 de Setembro de 1835.
[xii] Casada com um Pias, foi a mãe de Feliciano Pias, que, aos 11 anos, órfão, foi adotado por Severino Teixeira Brasil, e criado "como um filho" pelo filho deste, Matheus Teixeira Brasil, deixando descendência no Uruguai (Paysandú). É o antepassado do historiador Miguel Ángel Pias, de Paysandú.
[xiii] Esse litígio talvez viesse de mais de trinta anos antes. Acho que essas 750 braças em Guamás são exatamente as mesmas que foram objeto de um processo de medição de 1824, de Francisco Alves da Cruz Barreto (Arquivo Público, estante de Rio Grande, 2° Cartório do Cível e Crime, processo n.° 599, maço 16, ano 1824). Essa medição foi contestada pelo vigário Feliciano José Pinto de Moura, e o processo foi suspenso e nunca mais recomeçado. Só não tenho certeza de que era o mesmo campo porque, por azar, o papel está rasgado justamente no lugar onde estava registrado o nome do lindeiro do sul, que deveria ser Zacarias Pereira. Mas todas as demais indicações constantes do processo conferem. Se se tratava mesmo do mesmo campo, então podemos concluir que o que se discutia era se as 200 braças faziam parte do Passal dos Párocos, ou seja, das terras pertencentes à paróquia, destinadas ao sustento dos padres.
[xiv] O Sr. Antônio Silveira Pires menciona o Morcego no seu livro Palmas da Gente – Guardados da Memória.
8. Grafia e significado do sobrenome Collares
José Luís, ao chegar ao Rio Grande do Sul, antes de 1783, adotou o sobrenome de Colares, conforme já vimos, em referência ao nome do lugar onde ele nasceu.
Nosso sobrenome, portanto, se refere à Vila de Colares, em Portugal. Mas e o nome da Vila, por que é que é Colares?
Segundo o Dicionário Etimológico de Nomes e Sobrenomes, do Professor Rosário Farâni Mansur Guérios (São Paulo, Ed. Ave Maria Ltda., 1981), colares significa outeiros, cerros. A Vila de Colares, portanto, teria esse nome por causa das colinas que a cercam.
Essa é a explicação que me parece a mais digna de fé. Mas existe outra, que é mais poética.
É esta. A Vila de Colares fica à beira do mar, num ponto em cuja praia existe grande quantidade de conchas. As ondas que dão à praia, em seu movimento de ir e vir sobre as areias, vão empurrando e arranjando as ditas conchas, que acabam se colocando umas ao lado das outras, formando, sobre as areias, um desenho que se assemelha à forma de vários colares...
Portanto, Colares viria dos colares de conchas do mar, que se formam sobre as areias da praia da Vila de Colares, em Portugal.
Já vimos que o Primeiro Collares, José Luís, assinava Colares com um "l" apenas.
Entre os nossos antepassados, quem começou a assinar Collares com dois "ll" foram José Luís e Leonardo José Collares, os dois filhos do Primeiro Collares. Os autógrafos mais antigos que encontrei deles, e nos quais as assinaturas já aparecem com dois "ll", datam de 1844.
Se o pai assinava com um "l", por que os filhos passaram a assinar com dois "ll"?
A resposta, ao meu ver, é esta: porque, na época, a palavra colar se escrevia tanto com um “l” como com dois “ll”.
O próprio nome da Vila de Colares já foi Collares, com dois “ll”. A prova é este antigo brasão de Colares:
Em 1931 houve, no Brasil, uma reforma ortográfica que proibiu os dois "ll" de palavras como collo, collar, collares.
Lá em Portugal, a reforma ortográfica veio vinte anos mais cedo e foi bastante radical, pois obrigaram a tirar um "l" até dos nomes de família. É por isso que todos os Colares de Portugal se assinam com um "l" apenas, apesar de se tratar de uma família até um pouco mais antiga que a nossa.
Mas, aqui no Brasil, a lei permitiu que se mantivessem os dois "ll" quando se tratasse de nome de família. Graças a essa maior flexibilidade da lei brasileira, nós escapamos de ser simplesmente Colares, e adquirimos o direito de continuar assinando Collares.
A propósito, lá no Uruguai nós somos chamados segundo a pronúncia portuguesa, e não segundo a pronúncia do espanhol portenho, falado no Uruguai e na Argentina. No espanhol portenho, collares se pronuncia cojares. A despeito disso, nosso sobrenome, embora escrito com dois “ll”, eles pronunciam colares, como em português.